Isabel Furini: MANUEL BANDEIRA segundo a lembrança de sua sobrinha-neta Maria Helena




Em 2011, Maria Helena, neta de Manuel Bandeira, teve a gentileza de nos conceder uma entrevista. Essa entrevista foi publicada no meu blog Livros e Dicas para Escritores, em 23 de agosto de 2011. Maria Helena faleceu dois anos depois.

Maria Helena, escritora de fantástico e Ficção Científica, era sobrinha-neta do poeta Manuel Bandeira, neta de seu único irmão homem, Antonio.

Em 2011, realizamos essa entrevista para conhecer um pouco mais do grande poeta.

Maria Helena, você tem lembranças do grande escritor Manuel Bandeira?
Eu tenho várias lembranças dele, tanto na casa de minha avó, sua cunhada, de quem gostava muito e onde moravam seus dois sobrinhos, meu pai e minha tia que era sua afilhada, quanto mais tarde na casa de meus pais e nas casas dele no Flamengo e em Teresópolis. Estava sempre com aquele riso dentuço e gostava de brincar. Quando eu tinha uns onze anos, sabendo que gostava de enigmas, me deu uma Enciclopédia do Charadista e escreveu uma dedicatória no estilo:
Ama ri ah e lê na bandeira do tio Manuel.

Eu achei o máximo.

Lembro também que, a pedido de mamãe, fez uma dedicatória em versos para um prato de pão de madeira holandês que fora da sua bisavó e tinha um trecho do Padre nosso em francês: "donne nous notre pain quotidien".

Cada dia que nos dás,
Senhor, com o sol que nos traz
Traga-nos o pão e a paz.

Uma obra prima de síntese bem a seu estilo. E está lá, com a letra dele, colada no prato. Mais tarde eu o visitei, já doente, na casa da D.Lurdes com quem passou a morar.

Alguma lembrança poética dessa época?

Além do poema para mamãe, meu tio traduziu uma fábula de La Fontaine para eu recitar em pequena e enviou, junto com a tradução batida à máquina, um pequeno poema feito especialmente para mim, que está no Mafuá do Malungo e na nova edição das Meninas e o poeta. É um versinho simples, para ser dito por uma criança e nele homenageia seu pai, meu bisavô:
Sou a única bisneta
de meu bisavô Bandeira
que era pessoa discreta
mansa, desinteresseira
e era em pessoa a bondade
que responsabilidade!

Continuo sendo a única bisneta mulher.


Como vivia Manuel Bandeira?

Ele vivia de forma simples, de acordo com suas posses de poeta e professor. Também sempre viveu sozinho porque perdeu toda a família próxima em oito anos e era solteirão. Cheguei a visitá-lo com meus pais em Teresópolis onde Bandeira tinha uma casa modesta - gostava muito da serra, morou muito tempo em Petrópolis. Lembro de seu apartamento que dava para o aterro (nessa época ele me deu alguns livros, inclusive de Dostoievski, os primeiros que li desse autor russo). Eram de uma coleção encadernada e as capas eram vermelhas. Seu apartamento era cheio de livros, com muitos quadros e algumas estatuetas. Uma delas está conosco, uma mulher negra, muito bela, de pé, apoiada a um pedestal. Também herdei a cadeira onde durante anos me sentei no computador. E ficou conosco o crucifixo a que se refere num poema, de marfim, redondo, sem o Cristo. Dizem que acompanhou os mortos da família. São lembranças sentimentais, particulares, como o prato de pão e a cesta de metal de carregar peixe (segundo me disseram) muito bonita, toda trabalhada. Era também da Europa e penso que não devia ser muito prática, mas uma obra de arte que mamãe usava como vaso de flores.


Depois de tantos anos, qual é a melhor lembrança que você tem dele?

É difícil dizer a melhor, lembro de ter muito orgulho de sua poesia ( eu sempre amei a literatura) e para citar um dia especialmente significativo para mim, foi a apreciação elogiosa que fez de uns trabalhos meus quando começava a pintar ( fui artista plástica anos antes de me dedicar a escrever). Bandeira era excelente crítico do assunto – como foi de música, Amava estas duas artes.
Receber um elogio de tio Manuel foi uma honra e uma alegria. Ele não era pródigo em elogiar, tanto em relação à poesia como à arte em geral. Uma vez me disse que críticas podiam afetar gravemente um artista: uma crítica severa ou injusta podia paralisar e um elogio excessivo ou muito cedo podia estragar uma carreira. Preferia não responder aos muitos desconhecidos que procuravam sua opinião. Por isto me senti tão honrada com sua aprovação dos meus pequenos quadros de papel.


Qual é o livro que você mais ama de seu ilustre ancestral?

É difícil escolher um livro como o melhor. Prefiro falar de algumas poesias que me atingem mais: Profundamente, Arte de amar, Momento num Café, Consoada, Estrela da Manhã, Noturno da rua da Lapa, Canção das duas Índias, o Cacto, Boi Morto, Vulgívaga e, claro, Pasárgada. Há muitas outras, mas estas foram as que me lembrei no momento. Tem ainda As cartas de meu avô que, além de bonita, me remete a memórias familiares e a lírica e triste Desencanto da fase inicial: eu faço versos como quem chora/ de desalento/ de desencanto. Ele sofreu muito por ter que abandonar a escola de Arquitetura ainda bem jovem por causa da doença. Mas esta ruptura o transformou no imenso poeta que foi. E mesmo depois de abandonar o lirismo óbvio, Bandeira manteve a musicalidade.


Helena, como seu tio Manuel Bandeira influenciou seu caminho de escritora?

Eu imagino que ter um tio poeta famoso possa ter me influenciado inconscientemente, mas eu sempre gostei de poesia, ganhei meu primeiro livro de poemas aos nove anos e decorei inteiro. Era de Olavo Bilac, poemas infantis. Creio que a sombra do meu tio me fez fugir de ser poeta embora sempre tenha escrito Recebi um premio da UBE e a Stella Leonardos que foi do júri ficou feliz ao saber que eu era sobrinha-neta do Bandeira, seu amigo. Preferi fugir das comparações indo para a prosa.


Fale um pouco de seus trabalhos, de seus livros e de seus novos projetos.

Eu sou basicamente uma escritora da Net embora já tenha publicado em várias antologias em papel, especialmente Ficção Científica. Tenho alguns livros inéditos esperando vencer minha dificuldade de me expor fora da web. Dois são realistas As Cartas do Alfredo (coração suburbano) que mistura humor e poesia sobre o relacionamento de um casal do subúrbio do Rio e Cigarette Blues, talvez o meu preferido, sobre uma banda esfarrapada de blues que percorre um Brasil indiferente e usa os sucessos deste gênero como tema de cada conto, mantendo os mesmos personagens. E ainda um livro só de contos fantásticos que por enquanto se intitula A Promessa do Tigre e outro de FC O Espreitador do Universo. E dois de poesia que não sei se terei coragem de publicar: Borboleta no Chapéu (o premiado) e Unicórnios no Jardim.

Essa entrevista já foi publicada nos seguintes blogues e sites da internet:
Em 23/08/2011 - Livros e "Dicas" para Escritores - blog de Isabel Furini.
Em 23/08/2011 - No Recanto das Letras - página de Isabel Furini.
No site Tiro de Letra, como entrevista de Isabel Furini.



Maria Helena formou-se em jornalismo pela PUC/RJ. Era professora de desenho, pintura e história da arte, além de artista plástica, e participou de Salões Nacionais de Artes Plásticas e da Bienal Nacional, assinando como Maria Bandeira. Amava escrever. Assinando como Bárbara Helena, colaborava regularmente com o site Anjos de Prata, tendo participado das antologias Crônicas dos Anjos de Prata 2, 3, 4 e 5, publicadas pelo mesmo. Seu livro Borboleta no chapéu recebeu uma menção especial no Prêmio Guararapes da União Brasileira de Escritores. 
Publicou textos de ficção científica desde 1992, primeiro no Brasil e depois em Portugal e Argentina. O conto "Eu mesmo" foi publicado na revista Isaac Asimov Magazine (Record), em fanzines e revistas como Scarium, Somnium e Blocos, e nas antologias Paradigmas 1 (Tarja, 2009),Cyberpunk: Histórias de um futuro extraordinário (Tarja, 2010) e Space opera (Draco, 2011), FC do B: Panorama 2006/2007 (Corifeu, 2008), e outras. Teve um trabalho individula, O Especialista (E-Nigma, 2002), indicado ao Prêmio Argos. Faleceu em 2013.

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