Vera Albuquerque: Ética em Aristóteles, Kant e na pós modernidade – parte I

Considerando as movimentações políticas do país ética é um assunto recorrente em todos os ambientes sejam reais ou virtuais. Está presente na fila do banco, no consultório, no taxi, no trabalho, na escola, na rua, na família, nos encontros de lazer etc...

Discutir sobre ética ou moral é sempre muito saudável. Contudo. os debates constantes e superficiais não resultam numa dialética reflexiva que impulsiona análises e deduções, mas sim, banalizam um assunto tão interessante e profundo que reúne em si, grande parte do estudo da filosofia.

Sendo assim, inicio minha reflexão citando os maiores pensadores morais, que com suas descobertas e rupturas conduziram o mundo no que se refere ao pensamento ético, inclusive no conceito de humanidade, como veremos adiante.

Falo aqui de dois gigantes a filosofia moral: Aristóteles e Kant. Um grego e outro alemão.
Temos grandes cisões a enfrentar quando analisamos a evolução do pensamento desses pensadores; um mundo para refletir e escrever sobre esse assunto. Tentarei sintetizar e fazer um paralelo com a pós modernidade.


Aristóteles e Kant deram ao mundo concepções sobre moral e ética de tal forma importantes e antagônicas, que até hoje, na pós modernidade o mundo estabelece seus paradigmas em torno delas.
As perspectivas que temos que considerar são: o pensamento grego e o pensamento cristão. Vamos lá.
Para Aristóteles a moral resumia-se em atender ao chamado da natureza, ou seja: todo fato tem uma explicação causal e nada existe sem uma razão. Dessa forma, se a pessoa nasce com virtudes, deve desenvolver essas virtudes para que assim obtenha uma boa vida e consequentemente, entre em sintonia com o que o cosmos determina. Dignidade moral então, é não contrariar o cosmos, ou o que a natureza designa para a pessoa como atributos. E a forma de descobrir quais são os atributos de cada um é o conhecimento de si – daí advém a frase “conhece-te a ti mesmo”, dita por Aristóteles. Essa condição, portanto, determina ao homem a moral segundo o pensamento grego.  Deduz-se portanto, que existem temos dois tipos de pessoas: os que não tem virtudes, ou talentos e os que não tem. Os que tem virtudes e conseguiram o aperfeiçoamento moral são os nobres, consequentemente superiores aos que não tem, os inferiores que deveriam servir e estes. Essa era moral grega vigente, até que Kant, já vivendo sob as influências teológicas, reflete a ética sob outra ótica e vai mudar completamente a perspectiva humana, dando origem ao conceito de humanidade e igualdade.
Diz o filosofo alemão que ética, não se resume apenas ao desenvolvimento dos próprios talentos, mas no fim que se dá a eles. Explicando: tendo a pessoa um certo talento ou virtude, qual será a destinação que dará ao mesmo, tendo em vista que para Kant os talentos podem ser usados para muitas coisas, inclusive para o mal.


Esse é o momento fundamental da grande ruptura do pensamento de um em relação ao outro. Essa nova perspectiva trouxe para o mundo a experiência da igualdade e da liberdade, porque agora o talento em si não importa mais. O que importa é a decisão de cada pessoa sobre o que fazer com ele. Nesse momento de livre arbítrio os homens igualam-se entre si, e passam a pertencer a uma nova categoria – a humanidade. Porque sendo livres para escolher, tornam-se, portanto, humanos e iguais. De modo que, diante dessa ótica, o possuidor da moral e da ética, não é apenas aquele que desenvolve seus talentos, mas sim aquele que faz dele um bom uso para  a humanidade, ou aquele que se esforça para isso, mesmo não sendo possuidor de grandes talentos.  Para Kant, o que confere ao homem dignidade moral, é a boa vontade, ou seja:  esforço que o homem empreende para melhorar o mundo.


Nesse momento do pensamento moral, segundo Kant, além do sentimento de igualdade o homem passa a experimentar a liberdade de decidir sobre seu destino. Desaparece a condição de desigualdade que era determinada pelas virtudes distribuídas aos homens de forma aleatória pela natureza, passando a vigorar uma nova perspectiva moral ´a de que todos os homens são iguais na medida em que podem escolher sobre o destino dos seus talentos.

O mundo encontra-se aqui diante de um momento irreversível, um ponto de inflexão que dá ao homem outra possibilidade de enxergar o mundo. Kant resgata o homem que antes era indigno segundo Aristóteles, e confere a ele a dignidade moral que ele pode conquistar, usando sua capacidade de discernimento e esforço em seu benefício e em benefício do mundo.
Para o deleite dos pensadores e amantes da filosofia esses  dois grandes pensamentos diametralmente opostos, recheados de uma grande aplicabilidade e valor para os dias atuais, praticamente dividiram o mundo em duas metades.


Para o mundo grego o talento deve ser aperfeiçoado, para o que os tem. É um  mundo  de desigualdades e isso não representa conflitos, uma vez que na natureza a distribuição de riquezas e atributos não é igual e não cabe ao homem questionar o cosmos. Então, encaixa aqui a premissa de que devemos tratar de forma desigual, os desiguais na medida da sua desigualdade. Isso quer dizer que para os mais talentosos os melhores instrumentos, o melhor treinamento, o melhor pagamento etc...E os desprovidos de talento servem aqueles que possuem talentos.




Para Kant, a decisão pessoal de mudar o próprio destino, deu ao homem desprovido de virtudes ou aptidões, uma condição moral, que por conta do seu esforço pessoal que antes não teria condições de adquirir.

Isso ressignificou, a condição do homem e inclusive a ideia de trabalho. Porque agora trabalhar dignifica o homem.

No mundo grego os nobres não trabalham, ao passo que no mundo moderno o trabalho confere dignidade moral ao homem. O trabalho é redenção.

Supondo que, grosso modo, ficou clara a grande ruptura e distanciamento os dois maiores pensadores da moral no mundo, vamos agora refletir.

A grande pergunta é: somos todos iguais? Temos todos os mesmos direitos?
Quais as implicações dessas duas perspectivas para a pós modernidade?

Vera Albuquerque




Vera Albuquerque é curitibana, Editora – diretora da Editora Bolsa Nacional do Livro, escritora, poeta, consultora editorial, especialista em escrita e elaboração de material didático, mestranda em educação, criadora de projetos de formação para professores nos estados e municípios, e membro de Centro Paranaense de Letras.


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