Fotografia de Faisal Iskandar |
Escultura II
Flutua neste salgado líquido por grotas abissais
a tua náufraga figura,
Flutua em silenciosas aberturas, o esmeril, o formão, a goiva e o macete
em tua nau figura,
Flutua nas escavadas artérias a dor
por tua figura,
Flutua a tristura entre os sulcos sombrios
com a tua,
Flutua a verdade oculta de entalhe profundo,
toda tua.
Flutua raspas do legado nos veios rasgados que continha esta ilusão,
toda minha.
Flutua
escultura
tua.
Lia Finn
Dança do Outono
Castanha, bordô, ginger
Como os cabelos de Morrígan,
Adormecida
Benzida em brumas de orvalho,
Nas saliências das raízes,
Nos braços da terra
Um tapete de Klimt.
Leve sopro para levitar
Castanha, bordô, ginger
Balançava como os cabelos de Morrígan,
Estremecida
Esquecida das brumas e do orvalho,
Fora das saliências das raízes,
Olhava o tapete de terra
Sem os braços de Klimt.
Movimento para rodopiar
Castanha, bordô, ginger
Emaranhada nos cabelos de Morrígan,
Embevecida
Aquecida sem brumas e orvalho,
Longe das saliências das raízes,
Tapete de poeira a abraçar a terra
E lágrimas de Klimt.
Lia Finn – Abril de 2016.
Sangue Violeta
Benditos eram os meus frutos,
Malditos, são todos vocês!
Ando a cuspir fuligem,
Tilintar rabugem e açoitar o vento
Lamento vestiu em braços frios, agora vazios
Uma vida vestida de órfã, que me abraçou incólume.
A penúria é da fera, e ela se deitou aqui
Ao lado do sepulcro aberto,
De terra partida e ventre rachado
Ainda exangue coalhado em dor.
Tragédia não sussurra, urra
É rédea que encurta o passo, engole o lastro e mutila o querer.
Benzer um filho, que no esteio veio á luz, para sem rodeio jogá-lo á vala rasa?
Há flores nos caninos que teu olhar ferino dissimulou,
Capitulou teus desígnios em mim.
Há muito mais do que matar ou morrer
Logo, não velarei por ti
O si repousa nas nuvens, onde restou apenas dó
Daquele velho piano.
O sangue nas folhas ainda alimenta algumas raízes
Mas, meu sangue é violeta
Asas de borboleta.
Lia Finn
A Ceia
Risos, sorrisos
Sem crivo do juízo.Olhares de ternura, desejos com fartura
Sem entrave da usura.
Toda essa mistura
Na feitura do pão partilhado,
Mesa farta de sonho constelado
Banquete consumado.
Do pão restou fatia
Fração da relíquia que pendia
Pedaço que confirma a profecia
Para todo aquele que come e se sacia
Jamais venceria
O refrão da canção que arderia
Saudades que a ceia alimentaria.
Lia Finn
LIA FINN: Gaúcha de Passo Fundo, radicada em Curitiba desde a infância. Formada pela Universidade Federal do Paraná em Psicologia, pós graduada em Psicodrama e especialista em Neuropsicologia, atua em psicologia clínica desde 1994. Como escritora e poeta participa de grupos, coletivos, oficinas, feiras e saraus de literatura em Curitiba desde 2010. Da paixão pela neuropsicologia e a arte criou a oficina de poesia Poesia em Neuroimagem. Sob as Cores de Miró, Contos, Poesia e Palimpsestos, foi a obra escolhida para ser a sua primeira publicação, que traz também seu trabalho nas artes plásticas, através das ilustrações do livro que dialogam com a obra do artista catalão Joan Miró, lançado em julho de 2015, Arte Editora.
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