Maria da Glória Colucci: Nova Agenda Urbana Prioriza CIDADES INTELIGENTES

NOVA AGENDA URBANA PRIORIZA “CIDADES INTELIGENTES”
Maria da Glória Colucci 1


1 INTRODUÇÃO
O planejamento das cidades deve ser direcionado às complexas circunstâncias que envolvem o seu ambiente, não apenas geográfico, mas social e humano. No entanto, as cidades globalizadas parecem ter um perfil mais focado nos negócios, e no melhor modo de propiciá-los, sem dar a devida importância às pessoas que vivem, trabalham e colaboram para o seu desenvolvimento.
Assim, a qualidade de vida dos seus habitantes ainda não é, em pleno século XXI, a razão de ser das iniciativas inovadoras dos gestores das cidades, deixando muito a desejar em termos de mobilidade, transportes, saúde e bem-estar. Vale dizer, em termos de vivência urbana carecem de estímulos à melhor convivência, à inclusão de todos os segmentos que contribuem, à sua maneira, para a diversidade e enriquecimento cultural, que constroem a identidade de cada cidade.

Fotografia de Isabel Furini
O direito à cidade não abrange, apenas, a locomoção, a moradia, o trabalho etc; mas na sua inteireza compreende o exercício de todos os direitos fundamentais (Art.5º e incisos, Constituição de 1988). 2
Conforme assinala Orlando dos Santos Júnior, urbanista e pesquisador:

Nosso modelo de urbanização é fundado na negação do outro, na negação da convivência. Ao outro, aquele que não é reflexo dessa classe social das elites, é reservado o não-espaço, o espaço distante, a periferia, a não-cidade. Esse é o modelo de cidade que marca o Brasil.3

E prossegue em sua análise, dizendo: “Uma cidade para as pessoas e não para os negócios” é o modelo de cidade desejado e possível, não estando “subordinada aos negócios”, ao lucro, às grandes empresas. Deve ser uma cidade para o cidadão, para todos, independente de sua condição socioeconômica.4

Numa realidade globalizada, espera-se, conforme prevê Hamilton da Cunha Júnior, mesmo nos negócios, que se tenha em mente que:

O chamado “mundo globalizado” emergiu para a nova ordem social, afastando a separação de um padrão local e outro, universal. Difícil cada vez mais será a caracterização de sociedades locais, de comportamentos regionais. A facilidade de agregação de novos padrões em torno de um modo de viver, único ou com padrão linear definido, retratará as novas condutas e negócios para as gerações futuras. Aliás, já o é hodiernamente.5

Para o entrosamento do cidadão à cidade e pleno exercício de seus direitos, é imprescindível sua participação, o que se dará pela educação; não pela invasão; pela conscientização, não pela baderna, pichação e outras formas de chamar atenção para si; mas pelo respeito, em ações colaborativas, democraticamente estabelecidas.

2 “CIDADES MAIS” MUDAM PERCEPÇÃO URBANA

O respeito ao exercício dos direitos começa pelas ações afirmativas em que as parcerias entre a sociedade civil, empresas e Poder Público são realizadas como resultados da participação de todos na gestão da cidade. 6

Sérgio Pires, presidente do IPPUC – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, afirmou em recente palestra que os urbanistas veem as cidades no plano geral, mas os empresários vivem e convivem com os problemas urbanos, sendo, por isso, especialistas. Destacou que algumas das intervenções urbanas de maior sucesso em Curitiba foram frutos destas ações conjuntas, como o primeiro BRT (em 1974); o SIATE (1989), grupos de catadores de papel, hibribus, tuboteca, cartões inteligentes etc. 7

A dimensão social das cidades se revela na constante preocupação com a qualidade de vida das pessoas, que fazem “tudo junto”, em parcerias inteligentes. Comparando as “cidades doentes” do século XX, com a proposta de “cidades saudáveis” para o século XXI, conforme a Nova Agenda Urbana, cujo Documento Final foi aprovado em Quito, em outubro de 2016; algumas diferenças devem ser apontadas: “cidades mais” - amigas dos pedrestes, limpas, resilientes, democráticas, colaborativas, participativas, inovadoras, inclusivas, alegres, sustentáveis (com hortas e pomares urbanos), compactas, tolerantes com as diferenças, etc.

As “cidades mais” são aquelas planejadas para as pessoas, em que as tecnologias dialogam com as necessidades urbanas, procurando manter o espaço para todos em suas inovações e diversidades, de modo que “gentilezas urbanas” (canteiros com flores, arvores frutíferas), soluções em eletrificação, automação, mobilidade para idosos e pessoas com necessidades especiais, convivem com a alta tecnologia empresarial, etc.8

Henrique Paiva destaca o compromisso do setor empresarial de contribuir para a Nova Agenda Urbana, adaptando-se às seguintes tendências: a digitalização (internet das coisas), em que as “coisas” em escritórios e casas estarão conectadas, de modo a economizar tempo e recursos dos usuários; adaptação às mudanças demográficas (com o aumento da longevidade, exigências de maior acessibilidade, etc); soluções sustentáveis ao aquecimento global; crescente urbanização (até 2050 as pessoas estarão vivendo, em sua maioria, nas cidades); novos modelos de globalização em transportes, com modais urbanos interconectados em aeroportos internacionais etc. 9
“Cidades inteligentes” (smart cities) descentralizam e flexibilizam suas atividades, lazer, negócios etc, de modo a reduzir gastos, com energia e combustível, poluindo menos: “Escutar as cidades” (ouvir as pessoas) é a solução do futuro! 10

Um dos grandes desafios aos empresários, gestores urbanos e governantes, é rever os modelos habitacionais vigentes na maioria das cidades do mundo. Sem dúvida, nas cidades brasileiras, em que as remoções urbanas não levam em conta as características locais e culturais dos seus moradores; uma das soluções é a reurbanização e revitalização de espaços urbanos degradados. 11

Os “assentamentos informais urbanos” é um dos pontos importantes do SURABAYA DRAFT (Esboço Zero) da Agenda Urbana Global, que foi debatida em Quito, em outubro de 2016.12
Os novos desenhos urbanos deverão adotar o respeito ao cidadão em suas projeções futuras de expansão; considerando a ligação das famílias com áreas urbanas, em que as moradias são removidas para dar lugar a grandes empreendimentos, como o Parque Olímpico no Rio de Janeiro;13  sem levar em conta os danos emocionais, culturais e outro causados aos moradores.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muitas expectativas rondaram a Nova Agenda Urbana que foi debatida em Quito (out, 2016), em cujo entorno demandas econômicas e grandes transformações tecnológicas precisam conviver com uma sociedade combalida e desestruturada pela falta de objetivos comuns. Uma visão de mundo dividido em classes, em que grupos se digladiam pela conquista e manutenção hegenômica do poder e governo dos povos, cujos reflexos sobre as cidades são inevitáveis, não tem mais espaço em cidades do futuro; culturalmente heterogêneas, polissaturadas em suas demandas, fragmentadas em suas desigualdades etc.

Nas cidades do século XXI (smart cities) as distinções decorrentes das diversidades locais deverão ser tomadas como estímulos à criatividade das soluções, e não como obstáculos ao crescimento econômico, à humanização, ao compartilhamento, à reurbanização e outras propostas sistêmicas de abordagem da vida das cidades.14

O que se vislumbra, com a Nova Agenda Urbana, é uma crescente necessidade de prosperidade inclusiva, com o controle da especulação do mercado imobiliário, lembrando que as “cidades são para as pessoas”.

A Constituição vigente, no art. 182, deixa evidente a determinação do texto da Lei Maior no sentido de que as políticas públicas em desenvolvimento urbano, ao serem executadas pelo Município, precisam ordenar “[...] o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. ”15

Deste modo, já em 1988, o legislador constitucional antevia a diretriz conceitual da Nova Agenda Urbana; que privilegia o modelo de cidade focado no seu habitante e suas necessidades. Ao projetar espaços públicos, códigos de edificações, arruamento, conectividade, ruídos controlados, sistema de transporte interligado, faixas exclusivas, eletromobilidade etc., o gestor público tem, no texto do art.182, a sua fundamentação arquitetônica, a saber, a qualidade de vida dos seus moradores, turistas, empresários, trabalhadores etc.

Referências

1. Advogada. Mestre em Direito Público pela UFPR. Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR. Professora titular de Teoria do Direito do UNICURITIBA. Professora Emérita do Centro Universitário Curitiba, conforme título conferido pela Instituição em 21/04/2010. Orientadora do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética – Jus Vitae, do UNICURITIBA, desde 2001. Professora adjunta IV, aposentada, da UFPR. Membro da Sociedade Brasileira de Bioética – Brasília. Membro do Colegiado do Movimento Nós Podemos Paraná (ONU, ODS). Membro do IAP – Instituto dos Advogados do Paraná. Premiações: Prêmio Augusto Montenegro (OAB, Pará, 1976 - 1ºlugar); Prêmio Ministério da Educação e Cultura, (1977 – 3ºlugar); Pergaminho de Ouro do Paraná (Jornal do Estado, 1997, 1ºlugar). Troféu Carlos Zemek, 2016: Destaque Poético.

2. Brasil. Constituição da República Federal do. 1988; disponível em www.planalto.gov.br

3. Santos Jr; Orlando dos. A cidade tem que satisfazer as pessoas. Rio de Janeiro: Friburgo. Comunicação e saúde- Radis, n. 167, ago. 2016, p. 16.

4. Ib.

5. Cunha Jr; Hamilton da; in Marco Civil da Internet. Org. LEITE, George Salomão; Lemos, Ronaldo. São Paulo: Atlas, 2014, p .217.

6. Souza, Demétrius Coelho. O meio ambiente das cidades. São Paulo: Atlas, 2010, p. 22 e segs.

7. Pires, Sérgio. Palestra sobre o Habitat III (Quito, 2016). Curitiba: Fiep- Federação das Indústrias do Estado do Paraná; em 29 de agosto de 2016.

8. Souza, Demétrius Coelho. O meio ambiente das cidades. São Paulo: Atlas, 2010, p. 22 e segs. 

9. Paiva, Henrique. Palestra sobre o Habitat III. Id.

10. Ib.

11. Morosini, Liseane. Resistência a toda prova. Rio de Janeiro: Fiocruz. Comunicação em Saúde- Radis, n. 167, ago. 2016, p. 19.


13. Morosini, Liseane. Loc. cit., p. 18.

14. Colucci, Maria da Glória. Diretrizes em Planejamento Urbano Sistêmico (texto inédito).

15. Brasil, Constituição da República Federativa do. 1988: disponível em disponível em www.planalto.gov.br


Comentários