Lia Marcia Finn: As lágrimas de Thanatos

Quando a sombra de Thanatos encobre o olhar dos homens, as moiras cortam os fios da vida, assim, na  cosmovisão mítica  para os antigos gregos e romanos, transbordando simbologia, tateando a morte na busca de significados, a cultura ocidental foi talhando através dos milênios como hoje entendemos e lidamos com o finitude da vida humana.

O Guardião do Submundo -  Óleo sobre tela de Carlos Zemek
E ainda diante de tamanha complexidade inerente ao tema, impregnada por conceitos de espectros que vão do religioso ao científico temos também a morte como o ato letal aplicado pelo próprio indivíduo. Questão  certamente ainda mais repleta de mistificações e tabu. O suicídio é um fenômeno presente em inúmeras culturas e historicamente demostra que é um resultado de multifatorial. Não seria possível engendrar como um comportamento resultante de situações isoladas referente ao indivíduo, ao contrário, esta concepção contribui para aumento do estigma, isolamento e exclusão. Mas, o que de fato se quer isolar ou excluir? O que permeia a repetição histórica do preconceito em relação a este tema? Seriam muitas as perguntas e as possíveis respostas dadas por profissionais da área da saúde, sociólogos e filósofos. Escolho dirigir a atenção para dois pontos: como grande parte das pessoas veem o comportamento suicida e quais os sentimentos suscitados.

O comportamento suicida é visto muitas vezes como uma forma de escolha, uma decisão individual, não se levando em conta o estado de saúde do indivíduo. As doenças mentais quando não tratadas adequadamente apresentam alto risco de suicídio, dentre elas a depressão, transtorno bipolar, esquizofrenia, transtorno de personalidade e de abuso de substancias psicoativas. Doenças clínicas não psiquiátricas como epilepsia, HIV e câncer à medida que não respondem ao tratamento médico podem apresentar igualmente risco. Este aspecto que relaciona as condições de saúde da pessoa esclarece que não é uma prerrogativa de escolha do indivíduo, logo, a omissão e indução ao suicídio é crime previsto  pelo artigo 122 do código penal brasileiro.

O outro ponto se refere aos sentimentos suscitados, ou quais os sentimentos que são despertados para aquele que ‘’olha de fora”. Quando se vê o impulso destrutivo do outro, o caminhar de Thanatos  através do assassinato e ou suicídio pela sombra de um  olhar que “ não é meu”, por um sofrimento e dor que “não tenho”. A sombra é o outro e projetando nele “expurgo” algo que infantilmente imagino que “não possuo.”

“Demócrito ria, porque todas as coisas humanas lhe pareciam ignorâncias; Heráclito chorava, porque todas lhe pareciam misérias: logo maior razão tinha Heráclito de chorar, que Demócrito a rir; porque neste mundo há muitas misérias que não são ignorâncias, e não há ignorância que não seja miséria”. Padre Antonio Vieira, 1674, Roma,  em resposta ao debate com  Girolamo Cattaneo na inauguração da academia cultural da Rainha Cristina da Suécia. O tema era : seria o mundo mais digno de risos ou de lágrimas?

Talvez esta pergunta ainda seja pertinente no século 21, com a seguinte ressalva: para onde irão os risos e as lágrimas?  
   

A reflexão dos fatores que são entendidos por grande parte das pessoas segundo  quanto a como veem.

Lia Marcia Finn

Lia Marcia Finn na foto de Decio Romano
Lia Marcia Finn: Gaúcha de Passo Fundo, radicada em Curitiba desde a infância. Formada pela Universidade Federal do Paraná em Psicologia, pós graduada em Psicodrama e especialista em Neuropsicologia, atua em psicologia clínica desde 1994. Como escritora e poeta participa de grupos, coletivos, oficinas, feiras e saraus de literatura em Curitiba desde 2010. Da paixão pela neuropsicologia e a arte criou a oficina de poesia Poesia em Neuroimagem. Sob as Cores de Miró, Contos, Poesia e Palimpsestos, foi a obra escolhida para ser a sua primeira publicação, que traz também seu trabalho nas artes plásticas, através das ilustrações do livro que dialogam com a obra do artista catalão Joan Miró, lançado em julho de 2015, Arte Editora.
    

     

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