Rubenio Marcelo: Poemas

ARACATI, SAUDADE E SONHO

No Jaguaribe sereno,
à noite plena,
numa antiga barcaça
mirei, extasiado,
as luzes do Aracati.

Pensei em ancorar
a  ventura  ancestral
               do meu ser,
ser menino novamente,
                 brincando,
na Rua Dragão do Mar,
                 sorrindo,
na quermesse da Matriz,
                 feliz,
nas salas e corredores do Marista...

Mas me perdi
nos manguezais do meu sonhar.

A nau noturna deslizou
nas águas do tempo...

O rio deu no mar
que se fez saudade.

                            ® Rubenio Marcelo


                                 *    *    *

Arte Digital de Carlos Zemek


 TRANSVELEJAR...

ávidas de sagas e renovações
transvelejando o tempo
vão as naus cortando horizontes...

nelas
a marinhagem não se cansa:
renova-se com prelúdios de violinos
e minuetos noturnos
vindos das torres estelares
que a bombordo e estibordo
balizam a suavidade das jornadas...

lemes, velas, estais,
leves púlpitos de popas e proas,
                                         tudo
a barlavento ou sotavento
flutua – e faz flutuar – azul
 nestas naus viajoras
[que transcendem os mitos
e os hemisférios cotidianos]
ostentando o pavilhão da primazia...
– naus visionárias
   planadoras de mares e ares...

mesmo secular,
não há rotina no trilar das sete salvas...
                        a continência é da alma
– e esta é flama invicta,
   é albatroz diligente:
   reinaugura-se a cada soar da lira!...

grávidas de misteres e revelações,
transnavegando na quintessência do inefável,
seguem as naus eternizando messes...

                                                    ® Rubenio Marcelo


                                 *    *    *




    INVENTIVIDADES

Invente-me de tarde quando o sol
sorrir pro vendaval
invente-me aos olhos do instante
ido e solitário
quando todos os mapas
inverterem o norte
na agulha magna e ética
do sempre não-ser.
Invente-me em invernos longos
de partidas, sem inventários
nem heranças codificadas
de sangue e alma.
Invente-me
quando os meus olhos
forem apenas invencionices...

                                                              ® Rubenio Marcelo


                                                  *    *    *



ENTES E MENTES

I
plena mente
mente clara
claramente
ara a mente
  – s e m e n t e . . .

II
entrementes
mente rala
raramente
aclara a mente
– dormente.

1.
mentes plenas
plenamente
patentes...

2.
mentes-geenas
pequenas
veem-se somente
| veementemente |

                                     
                                         ® Rubenio Marcelo


                                                  *    *    *



NAUS INSONES


em voltas por mares revoltos
desenvoltas naus
resguardam o coito das correntezas
que segredam dádivas essenciais
e revolvem artifícios indormidos
nas barbas grisalhas do tempo...

velas excitadas
brancas
     altivas
           velozes
jamais se cansam...
desvelam ilhas
revelam castelos
afagam as monções
e são afagadas
pelas retinas da comandância...

naus solidárias
        abrigam escaleres
                recolhem náufragos
                        e espasmos pagãos...

naus legendárias
insones
atentas às leis naturais
pressentem baixios e horizontes opacos
esquadrinham as mobílias da paisagem
rescindem hesitações
contornam estorvos
e lecionam nortes
aos que grasnam indolências...

nestas naus
os emissários não ostentam superficialidades
                             [nem bandeiras retorcidas]
e sim alvíssimas insígnias...
os nautas
mapeiam tesouros invisíveis
e instintivos cristais
que projetam inervações da beleza
nas esferas do eterno...


                                ® Rubenio Marcelo








RUBENIO MARCELO é poeta, membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras. É autor de dez livros publicados e dois CDs, e sua obra mais recente é o livro de poemas ‘Veleiros da Essência’. Também revisor, palestrante e advogado, reside em Campo Grande/MS.

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