Ricardo Escudeiro: blues de quando a vó e o cão quase - e outras poesias

stay

                                                      “It’s not just something you take
                                                       it’s given”
                                                      (In: “Unapologetic”, Rihanna, 2012)

sobre margens desbordadas

mergulho num sono
lento navegado


falar contra fronteiras
dizer sua boca
pela matéria que é a minha
deixar escorrer seu nome
dá na mesma

não me assustam mais naufrágios
não quero mais vestir coletes
à prova de últimos abraços
o sonho

fica

dito assim
será que é algo
pedido ou confessado
ou na mesma medida

Ricardo Escudeiro


Fotografia de Neni Glock


blues de quando a vó e o cão quase

                                                     “And I guess that’s why they call it
                                                     the blues.”
                                                      (In: “Too Low For Zero”, Elton John, 1983)
sobre e entre sombras

nunca
muito dado ao

eu choro

quando muito um quase pranto
e sempre a desculpa
e sempre o

nada não é só um incômodo

naquele cômodo lá no fundo
luz desacesa
só dela via o rosto
canção que chegava sem
terem composto
pauta
que um no outro desvendava
voz
dela vinha como soprassem
uma gaita de fôlego
consolante no tom sobreposto

vai desaba sem culpa

entreolhavam
no escuro dedilhavam
mão
dada ou no ombro
tremia aquela de escorrer
de desenhar lágrimas dos outros

encontrava enfim
resquício de encanto
morria
por fim o cisco no olho

Ricardo Escudeiro



das coisas no porão

com  Charley Goldman e Mickey Goldmill

                                             “But the will must be stronger than the skill”
                                             (Muhammad Ali)

assim no ringue como no coração

estar no último minuto
do último round beijando
a última lona de vida
pra qual venha talvez a cogitar
possibilidade
se entregar
e ouvir lá do corner
vir uma voz gritada
no pé da orelha sussurrar

levanta seu filho da puta
porque te amo

assim no ringue como no coração


Ricardo Escudeiro



Ricardo Escudero - Foto enviada para divulgação
Ricardo Escudeiro é autor dos livros de poemas “rachar átomos e depois” (Editora Patuá, 2016) e “tempo espaço re tratos” (Editora Patuá, 2014). Graduado em Letras na USP, prepara projeto de mestrado com interesse em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. Possui publicações em mídias digitais e impressas: site da Revista CULT, Mallarmargens, Germina, Jornal RelevO, Revista Gente de Palavra, SAMIZDAT, 7faces caderno-revista de poesia, Revista Pausa, Flanzine (Portugal). Publica poemas mensalmente na Revista Soletras, de Moçambique.

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