Entrevista com o escritor MIGUEL SANCHES NETO

ENTREVISTA A ISABEL FURINI
Revista Carlos Zemek – Arte e Cultura
Braga, 11 de abril de 2016.


Miguel, no ano 2000 você lançou o romance Chove sobre minha Infância pela editora Record, no qual amalgamava lembranças e imaginação, alguns consideraram esse livro intimista, mas A Segunda Pátria e A Bíblia do Che revelam um caminho diferente. Você poderia falar da estrada que percorre cada livro? Qual é o ponto de partida de cada romance? Nasce de uma palavra? De uma imagem? Da lembrança de um acontecimento?

Só me dedico a um romance (que é um projeto bastante exigente, tanto em termos de tempo quanto de pesquisa e energia) quando algo me fere – tenho comparado isso a engasgar-se com um osso; escrever é tirar este osso da garganta. A partir deste momento, machucada por algo, minha sensibilidade começa a emitir sinais e vou construindo uma percepção em torno das áreas atingidas. Antes de escrever um romance, posso passar anos pensando nele, refletindo, lendo. O tipo de livro que vai sair depende de cada tema. Tema e forma andam juntos. Em Chove sobre minha infância há um discurso memorialístico. Em A segunda pátria, uma narrativa distópica, de um mundo alternativo. Em A Bíblia do Che, os recursos do romance policial. Não sou autor com um único formato de linguagem que serve a todos os seus textos.


Qual é a sua rotina de trabalho em Portugal? Como divide o dia? Você escreve diariamente?

Sim. Mantenho um diário íntimo, o que me ajudou muito a ter uma rotina constante de escrita. Aconselho todo mundo a escrever um relato de seu dia. É o formato mais fácil. Temos o tema, o que nos aconteceu. Escrevo à mão no diário. A Bíblia do Che foi escrito inteirinho em cadernos. Acordo aqui sempre muito cedo, como fazia no Brasil, leio as notícias na internet, respondo e-mails urgentes, e me dedico à escrita e à leitura na parte da manhã.

Desenho do Facebook


A experiência pessoal de morar em Portugal está influenciando seu estilo literário?

Não, não deixo isso ocorrer, pois são duas línguas distintas. Agora, ajuda muito viver em um contexto internacional, você consegue ter uma visão melhor dos contornos de sua linguagem, do alcance de seus livros, das suas limitações e também das suas eventuais qualidades.



No mês de março você lançou A Máquina de Madeira em Paris. Pode contar alguns detalhes do lançamento. Como é lançar um livro na Europa? Como foi recebido esse romance?

A literatura brasileira praticamente não existe no cenário internacional. Quando aparece algum autor, é antes por motivos alheios ao literário. Estive em Roma, na rede mais famosa de livrarias italianas, a Feltrinelli. Havia três autores de língua portuguesa em destaque – Fernando Pessoa, Saramago e Fernanda Torres. Nada contra Fernanda Torres, mas por que ela estava ali ao lado de mestres intemporais? Por sua atuação como atriz. Em Paris, todos os lançamentos de brasileiros aconteceram dentro de nichos, para públicos de informados. Sobre meu livro, saiu uma matéria muito elogiosa em Paris, de um especialista francês em literatura brasileira. E isso geralmente é tudo.



Poderia falar sobre seu novo romance A Bíblia do Che, que será publicado pela editora Companhia das Letras?

É uma história em que volta a atuar o meu detetive amador, Professor Pessoa, personagem de A primeira mulher. Ele descobre os crimes usando sua formação literária e seu envolvimento com mulheres mais jovens. É uma história bem ágil. Deve achar a bíblia usada por Che Guevara quando este esteve no Paraná, a caminho das selvas bolivianas, onde morreria. Nesta investigação, ele se envolve com bandidos ligados à corrupção em uma Curitiba tomada pelos lobistas políticos.



Miguel, nesta época muitas pessoas estão escrevendo e publicando. Um editor de Curitiba afirmou que a maioria dos novos escritores lançará dois ou três livros e desistirá, pois é muito difícil conseguir um lugar destacado no mundo literário. Poderia dar três orientações para os novos romancistas?

Acho natural que as pessoas desistam das coisas. Nossa biografia é composta por tentativas e erros. Eu desisti de muitas coisas que para mim não eram essenciais. Os que insistem em determinada área é que são os vencedores, mesmo quando não conseguem espaço. Vencer e fazer sucesso são coisas diferentes. Vence quem escreve um bom livro, que na maioria das vezes não fará grande sucesso. O problema é que nem todo mundo tem força para seguir enfrentando as adversidades. Neste caso, é preciso ter algumas pessoas que acreditem na gente, que nos transmitam seu entusiasmo. Sempre me cerquei de pessoas que acreditam em mim. Sobre orientações, remeto a um velho texto meu, escrito com alguma ironia e humor: http://www2.uol.com.br/entrelivros/reportagens/decalogo_do_leitor_3.html



Fale dos novos projetos para 2016.
Ih, são tantas coisas. A principal delas é concluir meu ensaio sobre as relações entre Graciliano Ramos e Eça de Queirós, resultado de meu projeto de pós-doutorado na Universidade do Minho, e que gostaria de transformar em livro. Tenho um pequeno romance rascunhado sobre o qual não quero falar muito, pois devo guardar toda a minha energia fabuladora para ele. Na volta ao Brasil, no segundo semestre, pretendo concluir esta narrativa. Além disso, há dois contos longos escritos aqui, descansando na gaveta, e que ainda exigirão muitas horas de trabalho. Toda a minha vida profissional e familiar foi ordenada a partir da literatura. Não gosto de música. Odeio futebol. Quase não vejo televisão. Não pratico esportes. Não vou pescar. Sou indiferente ao mar. Não tenho vida social. Assim, cada dia é para mim um pequeno projeto literário – realizado.


Miguel Sanches Neto - foto do Facebook.




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