Helio Puglielli: Do estranho símbolo ao saboroso iogurte




Capítulo um -
Navegando, anos atrás, pela Internet, surpreendi-me com um símbolo estranho: a suástica nazista dentro da estrela de Davi. À primeira vista parecia uma piada de humor negro superpor o emblema hitlerista ao signo hebraico. Mas a contradição era somente aparente, pois os dois signos ali estavam, entrelaçados, sem nenhuma conotação com a religião judaica ou com a ferocidade nazista. Eram símbolos milenares da antiga Índia, pré-existentes à posterior apropriação por outros povos, em outras situações históricas.


Capítulo dois -
Depois de ter praticado Hatha Yoga, Swastya Yoga, Kundalini Yoga e Yoga Integrativa, fiquei curioso em conhecer o Tantra Yoga. Fui praticá-lo num sobrado da Rua XV, acolhido com simpatia pelo casal Prem e Nicha. Ali fiquei sabendo da existência da organização Ananda Marga, criada pelo guru indiano Sri Anandamurti.  As práticas de Yoga me eram familiares e nelas vi poucas diferenças com relação às outras linhas (afinal, os asanas são finitos). Também não estranhei a meditação dançada ao ritmo do mantra universal “Baba Nam Kevalam”, muito suave para quem já tinha feito meditações mais energéticas e enérgicas, como as dinâmicas do Osho.


Capítulo três -
Numa das aulas de Tantra Yoga, o instrutor Prem indagou se eu não gostaria de participar de uma reunião da Ananda Marga em Belmiro Braga, Minas Gerais. Achei interessante, embora pouco soubesse a respeito, e aceitei. Com outras pessoas, ficamos aguardando, depois da aula de Yoga, o ônibus que passaria de madrugada para nos pegar. Vinha do Rio Grande do Sul, onde há um núcleo importante da Ananda Marga, e depois de embarcarmos, parou em S.Paulo, onde mais pessoas subiram.


Capítulo quatro – 
Em plena noite chegamos a uma fazenda nas imediações de Belmiro Braga e acabei me sentindo como José, Maria e Jesus, pois junto com outras pessoas, que na maioria não eram os companheiros de viagem, fomos alojados numa antiga estrebaria, adaptada para abrigar hóspedes. Pela primeira vez na vida tive a experiência – que não resultou desagradável – de dormir estendendo um cobertor sobre a palha seca. Claro que fui assaltado por um certo temor de picada de insetos, mas felizmente na época nem se falava no “aedes aegypti”. Sequer senti coceira, pois, como constatei depois, o ambiente fora rigorosamente higienizado.


Capítulo cinco -
Acordei cedo, boa estratégia para não enfrentar fila nos banheiros, e logo estava lavado e vestido para ver o que a escuridão da noite havia ocultado. Visão maravilhosa: a fazenda se desdobrava pelas montanhas (afinal, estávamos nas Alterosas, como Minas é denominada), por onde se distribuíam vários blocos de construções, uns antigos, outros novos. E de todos eles fluíam como que filetes alaranjados, “escorrendo” na direção do grande refeitório. Eram pessoas de ambos os sexos, envoltas em mantos alaranjados, que só então soube ser os monges e monjas da Ananda Marga. Embora estivessem em minoria com relação a nós outros, os “paisanos”, davam muito mais na vista, com a cor berrante de seus mantos e sua aparência fora do comum.


Capítulo seis -
Foram dias inesquecíveis de convivência com aquela gente, numa confraternização internacional com os monges e monjas procedentes de vários continentes. Pela primeira vez na vida conversei com um filipino, um indonésio, um malaio, um croata. Pude dialogar em italiano com um monge e uma monja dessa nacionalidade. Só não havia monge ou monja brasileiros, pois, como me explicaram, o critério da Ananda Marga é alocar seus missionários fora dos países de origem. Eles e nós, depois do café da manhã, nos dirigimos, por escadaria de centenas de degraus, ao templo situado no alto da montanha e onde divisei, no ápice, o símbolo que tanto me havia intrigado na Internet. Temeroso de algum rito estranho, meus receios se dissiparam quando começamos a dançar o já conhecido “Baba Nam Kevalam”.


Capítulo sete -
E assim se passaram dias de ricas experiências, com palestras, exercícios de Yoga e as meditações, sem nada de muito exótico. As refeições eram na base da comida típica de fazenda, tudo produzido e preparado ali mesmo, inclusive o iogurte mais saboroso que já experimentei na vida. Acresce lembrar que, talvez me achando meio magro, fui sistematicamente privilegiado com generosas e saborosas porções pelo monge filipino coordenador do refeitório.


Capítulo oito – Participava da reunião o monge  norte-americano Varananda (o nome é mais complexo, mas  não consigo me lembrar, embora me recorde que era, na época, o líder do movimento sócio-econômico PROUT, criado pela Ananda Marga como alternativa para os sistemas sócio-econômicos dominantes, que obviamente não trazem à humanidade a verdadeiro bem estar). Com ele fiz uma espécie de pré-iniciação, que acabou não indo posteriormente avante, pois a sede da Rua XV foi fechada e, depois de algumas meditações em casas de adeptos, acabei perdendo contato com o grupo. De qualquer modo, a experiência valeu a pena e, tempos atrás, ao encontrar o iogurte marca “Yoga” num supermercado do Rio de Janeiro, tudo relembrei com nostalgia. Pena que o produto da fazenda da Ananda Marga em Minas Gerais não seja comercializado em Curitiba.



Hélio de Freitas Puglielli  então estudante universitário, recebeu, em 1960, o Prêmio Bernardo Sayão, de crítica, no Concurso Nacional de Literatura promovido pelo MEC/CAPES e revista "O Cruzeiro". Publicou contos e poesias em coletâneas e, na década de 90 enfeixou em livro artigos literários publicados na "Gazeta do Povo" e outros jornais: "Para Compreender o Paraná", editado pela Secretaria estadual da Cultura. Também pela Secretaria, com o estímulo de Regina Benitez", foi publicado o poema "O Ser de Parmênides Chama-se Brahma", ambos na gestão de René Dotti. Dirigiu o Teatro Guaíra (1971/73) e o Setor de Ciência Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná (1980/83).




Comentários

  1. Sobre a matéria de Hélio Puglielli todos os comentários positivos possíveis em relação à sua "performance"... Nosso grande Hélio que, em tudo o que escreve, deixa sempre o gosto do desejo de " quero mais". Parabéns Revista Arte e Cultura. Agradável leitura sobre nosso grande jornalista
    isabel Sprenger Ribas

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