Eliane Potiguara: AGONIA DOS PATAXÓS - e outras Poesias

AGONIA DOS PATAXÓS

Às vezes
Me olho no espelho
E me vejo tão distante
Tão fora de contexto !
Parece que não sou daqui
Parece que não sou desse tempo.

Eliane Potiguara


***


PANKARARU

Sabem, meus filhos...
Nós somos marginais das famílias
Somos marginais das cidades
Marginais das palhoças...
E da história ?

Não somos daqui
Nem de acolá...
Estamos sempre ENTRE
Entre este ou aquele
Entre isto ou aquilo !



Até onde aguentaremos, meus filhos ?...

Eliane Potiguara


***


ESSÊNCIA INDÍGENA

Um dia
Esse corpo vai apodrecer
E eu vou ser verdade...
Então eu vou ser feliz.

Eliane Potiguara


***


NESTE SÉCULO DE DOR

Neste século já não teremos mais os sexos.
Porque ser mãe neste século de morte
É estar em febre pra subexistir
É ser fêmea na dor
Espoliada na condição de mulher

Eu repito
Que neste século não teremos mais os sexos
Tão pouco me importa que entendam
Possam só compreender em outro século besta

Não temos mais vagina, não mais procriamos
Nossos maridos morreram
E pra parir indígenas doentes
Pra que matem nossos filhos
E os joguem nas valas
Nas estradas obscuras da vida
Neste mundo sem gente
Basta um só mandante

Neste século não teremos mais peitos
Despeitos, olhos, bocas ou orelhas
Tanto faz sexos ou orelhas
Princípios, morais, preconceitos ou defeitos
Eu não quero mais a agonia dos séculos...

Neste século não teremos mais jeito
Trejeitos, beleza, amor ou dinheiro
Neste século, oh Deus (? !)
Não teremos mais jeito.

Eliane Potiguara

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Palestra no Itaú Cultural sobre o desenvolvimento da Literatura Indígena na Brasil e no mundo.


UNI-ÃO
*UNI (União das Nações Indígenas)

O que tenho pra te oferecer amigo
Enquanto bebo tua fonte que me espera.
São palavras, são sentidos, são perigos
Ou são silêncios profundos de uma era

O que tenho pra te oferecer amigo
Enquanto sugo de teus olhos uma velha história.
São prazeres, são amores, roucos gritos
Ou sussurros de vencer até a vitória

O que tenho pra te oferecer amigo ?
Enquanto me aqueço no calor de tuas mãos
São lágrimas, são motivos, são juízos
Ou são faíscas conscientes da razão

Andaram a procurar por mim
E eu estava só, triste e doente
E você amigo me estendeu a mão
Mesmo com palavras duras que não mentem

Amigo, tu moras no fundo de minh’alma
E o que tenho pra te oferecer ?
Só muita garra
Muita luta
Uma grande gratidão.
Pra nunca desvanecer...
Pra nunca desmerecer...
Pois te amo com grande afeição !

Eliane Potiguara


***

DESILUSÃO

A mim me choca muito esse ambiente
Essa música, essa dança
Parece que todos dizem sim.
Sim a quê ?
Sim a quem ?
Porque concordar tanto
Se o que se tem que dizer agora
É NÃO !
NÃO  a morte da família
NÃO  a perda da terra
NÃO ao fim da identidade.

Eliane Potiguara


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FANTASIAS DESERTAS

Não tenhas medo, IANUÍ
Que não vou-te enfeitiçar
O nada, eu quero de ti
Pro nada talvez vou partir.
Poema de Amor ?
Sei lá... se poema de amor !...
Só sei que me passa essa chama
E que me queima a alma errante.
Horas, mas dias, mil noites
Relembro teu corpo parado
Feito máscara imóvel ao vento
Doido a flutuar nos mares quentes.
Pássaro louco bicando os peixes
Engorda teu peito aberto
Inflama teu coração militante
É tua, essa paixão dos séculos
Mas te guardas feito tatu
Que não é chegada a hora
Enfia teus dedos na terra
Desafoga as dores nela !
Mira pros céus navegantes
De teu barco em flor e vela
E rouba todas as forças solares
E renasce Boto, amante, mais belo.
Engorda teu peito aberto
Aquece o coração nu noutras eras
Alimenta tuas veias em asas
Nas fantasias desertas
Corre pelos cajueiros  e  arrozais
Que te trago essa cana caiana
E outras limas pra melar nossas bocas
E relaxar no calor das manhãs

Eu não te quero mais puro
Entrega-te que te vejo criança
Amor pronto a explodir
Fogo eterno, quem sabe ?...
Ou vou partir, antes mesmo de vir
Num calor aberto semente...
Numa ilusão e sonho somente...
Nessa estrada longa, errante

Sendo meu caminho tão farto
Sendo teu peito tão forte

Eliane Potiguara

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Poemas de ELIANE POTIGUARA, publicados no livro METADE CARA , METADE MÁSCARA , global Editora, 2004.

Eliane Potiguara
Eliane Potiguar foi nomeada  na Ordem do Mérito Cultural na classe “Cavaleiro”, pela contribuição à cultura pelo governo brasileiro em 2014. Indicada em 2005 ao Projeto Internacional “Mil mulheres ao Prêmio Nobel da Paz”, é escritora, poeta, professora, ativista indígena e contadora de histórias. É formada em Letras (Português-Literaturas) e Educação pela UFRJ, especializada em Educação Ambiental pela UFOP, é fundadora do GRUMIN / Grupo Mulher-Educação Indígena.  Membro do Comitê Intertribal, Instituto Uka, Ashoka, Enlace Continental de mulheres Indígenas, Associação pela Paz, Cônsul de Poetas Del Mundo e embaixadora da Paz pelo Círculo De escritores da França e Suíça. Trabalhou pela Declaração Universal dos Direitos Indígenas na ONU em Genebra. Escreveu vários livros, inclusive premiados nos USA. Participou de diversos Congressos literários e sobre direitos humanos no Brasil e no exterior.
Site pessoal: www.elianepotiguara.org.br  
Institucional:   www.grumin.org.br
E-mail: elianepotiguara@uol.com.br


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