INÉDITOS
RETRATO EM SÉPIA
São poderosas as baratas:
as mulheres têm medo delas;
os homens provam seu poderio
sobre elas (as mulheres),
matando-as (as baratas).
No entanto, são meigas.
E se tivessem tetas
amamentariam
como qualquer mãe.
Leila Miccolis
ASSEIO
(Primeiro poema a Ragnar)
Quando ele volta do banho
cheirando artificial a flor,
meu gato lambe-se todo
para tirar o fedor.
Leila Miccolis
CADA FALSO...
Me chamas de princesa,
de tua alteza,
de rainha do lar,
mas me manténs presa
no castelo-fortaleza,
e todos os dias mandas
me decapitar.
Leila Miccolis
POEMAS DO LIVRO DESFAMILIARES – POESIA COMPLETA (1965-2012) – EDITORA ANNABLUME, 2013, SP
PESSOAL E INTRANSFERÍVEL
Chegou a “Pequena Notável”,
de bolso, sou descartável;
mas não se deixe enganar
com o que eu posso aparentar:
se nos frascos pequeninos
há os perfumes mais finos,
é também neles que vemos
os mais terríveis venenos...
Não tenho nenhum complexo,
transo tudo, até em sexo,
eu gosto de ser assim,
ninguém esquece de mim...
Gasto pouco com feijão,
com roupa, e na condução,
— se o trocador não bronqueia —,
eu às vezes pago meia...
Por fim, tenho outra vantagem:
eu caibo em qualquer bagagem.
E quem se atreve e se enleva
vê que sou leve e me leva...
Assim, por mais que eu ande,
com minha miudez eu venho sempre a aprender
que ninguém precisa ser gente grande.
Precisa é SER!
Leila Miccolis
ALVOS
Se saio com quatro pedras na mão
me chamam de doida;
eu sorrio e os apedrejo,
pra aprenderem
que as loucas têm perfeita pontaria.
Leila Miccolis
GERAÇÃO INDE(x)PENDENTE
Em vez de me deitar na cama,
resolvi criar fama.
E aí comecei a fazer versos, a mendigar editores,
como se eles fizessem grandes favores
em nos publicar...
E de tanto batalhar, virei... poeta
— um grande passo em minha meta,
porque em poetisa todo mundo pisa.
E quando me consideraram menina prodígio,
consegui que um crítico de prestígio
analisasse minha papelada.
Ele deu uma boa folheada,
pensou, pesou e sentenciou:
— "Incrível... não tem nível..."
Juro que fiquei com muita mágoa
porque, afinal, quem precisa de nível
é caixa d'água...
Leila Miccolis
VÃ FILOSOFIA...
Falas muito de Marx,
de divisão de tarefas,
de trabalho de base,
mas quando te levantas
nem a cama fazes...
Leila Miccolis
NOVO AMOR
Meu coração nunca para
pra comparar, solta amarras,
vive seu tempo presente:
se ferido, em mim se ampara;
mas quando sara e se sente
contente, fica eloquente,
feito algazarra de araras.
Leila Miccolis
MANCHAS
Cansada de brigar e botar banca,
num dos raros momentos de ternura,
eu hasteei minha bandeira branca
um tanto amarelada de gordura.
Leila Miccolis
NOSTALGIA
Ainda há marcas do nosso idílio:
pegaste doença
e eu peguei filho.
Leila Miccolis
DEVASTAÇÃO
Vêm os jovens
e escrevem nas árvores seus nomes entrelaçados;
voltam adultos
e destroem esses corações apaixonados.
Leila Miccolis
TENTATIVA DE SUICÍDIO
Foi ao toalete
e cortou os sonhos,
a gilete.
Leila Miccolis
MISSÃO COMPRIDA
Você conseguiu tudo na vida:
uma grande barriga bem alimentada,
uma amante infiel
uma esposa comportada
carro do ano
filhos rebeldes ao teu jugo tirano
casa própria,
emprego com crachá
um sítio em Visconde de Mauá
um ufanista amor pelo país
tudo como manda o figurino
(de Paris).
E morrerá, cumprindo a sua parte,
de tensão ou de enfarte,
de repente,
sem nem ao menos de longe perceber
que podia ter sido diferente.
Leila Miccolis
LEILA MÍCCOLIS <blocos@blocosonline.com.br>
Carioca, advogada (sem atualmente exercer a profissão), Mestra, Doutora e com Pós-Doutorado em Teoria Literária pela UFRJ, escritora, 30 livros editados (poesia e prosa), obras publicadas na França, México, Colômbia, África, Estados Unidos e Portugal, teatróloga, roteirista de cinema e escritora de novelas de TV, entre elas: “Kananga do Japão”, “Barriga de Aluguel” e “Mandacaru”. Ministra cursos on line de teledramaturgia. Antologista e pesquisadora, pertencendo atualmente ao grupo de estudos do CNPq, sob a liderança de Eduardo Coutinho: “Literatura Comparada na América Latina: Perspectivas Teórico-Críticas” (UFRJ). Coedita com Urhacy Faustino, o pioneiro portal cultural Blocos Online, há 20 anos na Web <http://www.blocosonline.com.br>. Elaborou verbetes para a “Enciclopédia de Literatura Brasileira” (MEC/OLAC) e entre as publicações cita: “Catálogo da Imprensa Alternativa”, 1986, pela RioArte/Prefeitura do RJ. Hoje, seu acervo de imprensa independente, com seu nome, está na Biblioteca de Miami. Considerada pertencente à “Geração Poética de 70”, foi publicada na Revista Poesia Sempre (Biblioteca Nacional/MEC), consta do Banco de Dados Informatizados do Banco Itaú (Módulo Litª Braª, Setor Literatura/ Brasileira/Poesia/Tendências Contemporâneas) e dos “Cadernos Poesia Brasileira” - vol. 4, “Poesia Contemporânea”, editado pela mesma instituição, 1997. Sua obra é citada e analisada por escritores e professores, entre os quais: Affonso Romano de Sant’Anna, Assis Brasil, Chico Lopes. Glauco Mattoso, Gilberto Mendonça Teles, Heloísa Buarque de Hollanda, Ignácio de Loyolla Brandão, Jair Ferreira dos Santos, Nélida Piñon, Nelly Novaes Coelho, Paulo Leminski, Pedro Lyra, Ricardo Cravo Albin, Rogel Samuel, Wilberth Claython Ferreira Salgueiro. Em 2013, a Ed. Annablume (SP) publicou: “Desfamiliares” – poesia completa (1965-2012).
RETRATO EM SÉPIA
São poderosas as baratas:
as mulheres têm medo delas;
os homens provam seu poderio
sobre elas (as mulheres),
matando-as (as baratas).
No entanto, são meigas.
E se tivessem tetas
amamentariam
como qualquer mãe.
Leila Miccolis
ASSEIO
(Primeiro poema a Ragnar)
Quando ele volta do banho
cheirando artificial a flor,
meu gato lambe-se todo
para tirar o fedor.
Leila Miccolis
CADA FALSO...
Me chamas de princesa,
de tua alteza,
de rainha do lar,
mas me manténs presa
no castelo-fortaleza,
e todos os dias mandas
me decapitar.
Leila Miccolis
POEMAS DO LIVRO DESFAMILIARES – POESIA COMPLETA (1965-2012) – EDITORA ANNABLUME, 2013, SP
PESSOAL E INTRANSFERÍVEL
Chegou a “Pequena Notável”,
de bolso, sou descartável;
mas não se deixe enganar
com o que eu posso aparentar:
se nos frascos pequeninos
há os perfumes mais finos,
é também neles que vemos
os mais terríveis venenos...
Não tenho nenhum complexo,
transo tudo, até em sexo,
eu gosto de ser assim,
ninguém esquece de mim...
Gasto pouco com feijão,
com roupa, e na condução,
— se o trocador não bronqueia —,
eu às vezes pago meia...
Por fim, tenho outra vantagem:
eu caibo em qualquer bagagem.
E quem se atreve e se enleva
vê que sou leve e me leva...
Assim, por mais que eu ande,
com minha miudez eu venho sempre a aprender
que ninguém precisa ser gente grande.
Precisa é SER!
Leila Miccolis
ALVOS
Se saio com quatro pedras na mão
me chamam de doida;
eu sorrio e os apedrejo,
pra aprenderem
que as loucas têm perfeita pontaria.
Leila Miccolis
GERAÇÃO INDE(x)PENDENTE
Em vez de me deitar na cama,
resolvi criar fama.
E aí comecei a fazer versos, a mendigar editores,
como se eles fizessem grandes favores
em nos publicar...
E de tanto batalhar, virei... poeta
— um grande passo em minha meta,
porque em poetisa todo mundo pisa.
E quando me consideraram menina prodígio,
consegui que um crítico de prestígio
analisasse minha papelada.
Ele deu uma boa folheada,
pensou, pesou e sentenciou:
— "Incrível... não tem nível..."
Juro que fiquei com muita mágoa
porque, afinal, quem precisa de nível
é caixa d'água...
Leila Miccolis
VÃ FILOSOFIA...
Falas muito de Marx,
de divisão de tarefas,
de trabalho de base,
mas quando te levantas
nem a cama fazes...
Leila Miccolis
NOVO AMOR
Meu coração nunca para
pra comparar, solta amarras,
vive seu tempo presente:
se ferido, em mim se ampara;
mas quando sara e se sente
contente, fica eloquente,
feito algazarra de araras.
Leila Miccolis
MANCHAS
Cansada de brigar e botar banca,
num dos raros momentos de ternura,
eu hasteei minha bandeira branca
um tanto amarelada de gordura.
Leila Miccolis
NOSTALGIA
Ainda há marcas do nosso idílio:
pegaste doença
e eu peguei filho.
Leila Miccolis
DEVASTAÇÃO
Vêm os jovens
e escrevem nas árvores seus nomes entrelaçados;
voltam adultos
e destroem esses corações apaixonados.
Leila Miccolis
TENTATIVA DE SUICÍDIO
Foi ao toalete
e cortou os sonhos,
a gilete.
Leila Miccolis
MISSÃO COMPRIDA
Você conseguiu tudo na vida:
uma grande barriga bem alimentada,
uma amante infiel
uma esposa comportada
carro do ano
filhos rebeldes ao teu jugo tirano
casa própria,
emprego com crachá
um sítio em Visconde de Mauá
um ufanista amor pelo país
tudo como manda o figurino
(de Paris).
E morrerá, cumprindo a sua parte,
de tensão ou de enfarte,
de repente,
sem nem ao menos de longe perceber
que podia ter sido diferente.
Leila Miccolis
LEILA MÍCCOLIS <blocos@blocosonline.com.br>
Carioca, advogada (sem atualmente exercer a profissão), Mestra, Doutora e com Pós-Doutorado em Teoria Literária pela UFRJ, escritora, 30 livros editados (poesia e prosa), obras publicadas na França, México, Colômbia, África, Estados Unidos e Portugal, teatróloga, roteirista de cinema e escritora de novelas de TV, entre elas: “Kananga do Japão”, “Barriga de Aluguel” e “Mandacaru”. Ministra cursos on line de teledramaturgia. Antologista e pesquisadora, pertencendo atualmente ao grupo de estudos do CNPq, sob a liderança de Eduardo Coutinho: “Literatura Comparada na América Latina: Perspectivas Teórico-Críticas” (UFRJ). Coedita com Urhacy Faustino, o pioneiro portal cultural Blocos Online, há 20 anos na Web <http://www.blocosonline.com.br>. Elaborou verbetes para a “Enciclopédia de Literatura Brasileira” (MEC/OLAC) e entre as publicações cita: “Catálogo da Imprensa Alternativa”, 1986, pela RioArte/Prefeitura do RJ. Hoje, seu acervo de imprensa independente, com seu nome, está na Biblioteca de Miami. Considerada pertencente à “Geração Poética de 70”, foi publicada na Revista Poesia Sempre (Biblioteca Nacional/MEC), consta do Banco de Dados Informatizados do Banco Itaú (Módulo Litª Braª, Setor Literatura/ Brasileira/Poesia/Tendências Contemporâneas) e dos “Cadernos Poesia Brasileira” - vol. 4, “Poesia Contemporânea”, editado pela mesma instituição, 1997. Sua obra é citada e analisada por escritores e professores, entre os quais: Affonso Romano de Sant’Anna, Assis Brasil, Chico Lopes. Glauco Mattoso, Gilberto Mendonça Teles, Heloísa Buarque de Hollanda, Ignácio de Loyolla Brandão, Jair Ferreira dos Santos, Nélida Piñon, Nelly Novaes Coelho, Paulo Leminski, Pedro Lyra, Ricardo Cravo Albin, Rogel Samuel, Wilberth Claython Ferreira Salgueiro. Em 2013, a Ed. Annablume (SP) publicou: “Desfamiliares” – poesia completa (1965-2012).
Bom dia. Estou encantada com o que vi e li, parabens, parabens, parabens mesmo, pois vc é uma profissional de mão cheia! Abraços fraternais.
ResponderExcluirMuito obrigada, Maria José da Conceição, fico feliz com sua receptividade tão calorosa. Leila
ExcluirOlá, não sei se ainda está ativa esta página.
ResponderExcluirQuerida, Leila!
Eu leio sua poesia desde a minha juventude!
Amo sua rebeldia, seu despudor!
Fiz muito sucesso nos saraus, arranjei muitas paixões!
Usava roupas rasgadas, pintadas à mão, andava sem eira nem beira.
Estou me preparando para o 08 de março e lembrei de vir procurar sua poesia para recitar
e derrubar a tribuna dos hipócritas vereadores aqui da minha cidade!
Um abraço!!!
Humildemente, eu não conhecia. Adorei agora conhecer.
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