Maria da Glória Colucci: Liberdade de Acesso à Informação e Violação de Intimidade

Maria da Glória Colucci i

1 INTRODUÇÃO

A liberdade de informação não é absoluta, uma vez que deve respeitar limites jurídicos e éticos, tendo em vista o interesse coletivo e, notadamente, o individual.
O excesso de informações, representado pela variedade de dados que a internet comporta, tem dificultado a capacidade de controle pelos órgãos fiscalizadores e causado inúmeros conflitos aos usuários quanto ao seu valor perceptivo e confiabilidade das mensagens disponibilizadas.ii
Sabe-se que na relação comunicacional em um dos polos se encontra o emissor da mensagem e do outro o receptor, impondo-se, desta forma, clareza, precisão, adequação e veracidade dos dados que sustentam e alimentam a base da informação.
Além da exatidão dos dados, a legitimidade da fonte ocupa lugar primordial, posto que a divulgação da base de dados, necessariamente, envolve a informação, não podendo ser contaminada pela calúnia, injúria ou difamação, ou seja, condutas delitivas, conforme prevê o Código Penal Brasileiro (arts.138,139,140).iii
Para que qualquer direito seja exercido é indispensável a observância de requisitos formais e materiais, evitando-se que venha a causar danos a outrem, em virtude de sua abusividade. Assim, o abuso do direito acarreta o dever de reparar o dano, civilmente, pelo pagamento de indenizações e, também, penalmente, pela privação da liberdade ou pela restrição ao exercício de outros direitos.
Destarte, a segurança da informação pela internet comporta uma diversidade de aspectos que passam pela veracidade (correspondência ao objeto informado); confiabilidade (fundada na boa-fé objetiva); qualidade (pertinência e consentimento) e interesse coletivo (efetiva necessidade de ser conhecida de todos).
Portanto, a liberdade de informação como direito constitucionalmente garantido (art. 5º, XIV) pressupõe limites quanto à sua forma e conteúdo; devendo respeitar a segurança das relações interindividuais, não podendo afetar a ordem pública, os bons costumes e a Lei, dentre outros parâmetros ético-jurídicos.iv
Quando há violação da imagem de uma pessoa, os danos causados podem ser de tal monta, que se tornam moralmente irreparáveis, uma vez que não há sanção penal/civil suficiente para apagar da memória individual e coletiva o devassamento da privacidade e intimidade alheias (art. 5º, X, CF).v

Arte Digital de Isabel Furini
2 O “DIREITO DE RESGUARDO” DA IMAGEM

O conceito de “imagem pessoal”, pela sua amplitude, dificulta em circunstâncias práticas sua caracterização. No entanto, pode ser entendida como o complexo de singularidades que representam física, mental, sensorial e psicologicamente a pessoa no grupo social, tornando-a única em relação aos demais.
Por outro tanto, a imagem pode ser desdobrada em uma multiplicidade de ângulos classificatórios, tais como, imagem pública, profissional, institucional, corporal, familiar etc.
Liliana Minardi Paesani se refere ao “direito ao resguardo”, qual seja, que toda pessoa tem de proteger-se da indevida intromissão alheia na privacidade e intimidade próprias. Acrescente-se que abrange quem esteja sob sua guarda (como no caso da família) ou proteção (como crianças):

Por obra do Judiciário alemão, nasce o direito à autodeterminação da informação, ou seja, o poder de acesso e controle dos próprios dados pessoais e o direito de selecionar o que cada indivíduo quer expor de si mesmo aos outros através da manifestação do consentimento. Logo, o consentimento do interessado é o ponto de referência de todo o sistema de tutela da privacidade.vi

As novas técnicas de informação têm ampliado as esferas de exposição permanente da pessoa, não só pela internet, mas pelas câmeras que filmam cada situação da vida diária dos indivíduos, como uma espécie de vigilância intermitente, típica da sociedade pós-moderna. Razões de segurança impõem, pelo interesse coletivo, limites à esfera privada de liberdade de locomoção com privacidade.


3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O anonimato que caracteriza as informações em rede ou por outros meios artificiais de comunicação causa grandes danos à privacidade, sem que se possa identificar, com facilidade, o autor da ofensa; conforme destaca Liliana Paesani: “A exigência do anonimato nasce da característica principal da internet.”vii No entanto, a Constituição de 1988 restringe a liberdade de manifestação do pensamento, quando proíbe, expressamente, o anonimato no Art. 5º, IV: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.”viii
Destaca-se, neste conturbado cenário, a tutela da imagem corporal, quando, sobretudo, violada pelo vazamento dos denominados “nudes” de pessoas comuns ou celebridades.
Os danos irreparáveis são evidentes, visto que cenas de nudez ou de ato sexual em caráter privado, obtidas em confiança, no âmbito da intimidade podem ser expostas, sem consentimento, por motivos os mais diversos, dentre os quais a vingança ou mesmo o comércio (revenge porn).
Os perigos da divulgação da imagem alheia indevidamente têm-se acentuado de forma crescente, aumentando na medida em que proliferam novas formas de comunicação nas redes sociais.
A importância das tecnologias da comunicação é evidente, facilitando as relações sociais; intermediando o comércio eletrônico, possibilitando o acesso à educação, à política, à saúde etc, mas, causando, também, graves danos à privacidade e intimidade das pessoas; como se examinará em próximo texto, com base na legislação em vigor.



REFERÊNCIAS 

1 1 Advogada. Mestre em Direito Público pela UFPR. Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR. Professora titular de Teoria do Direito do UNICURITIBA. Professora Emérita do Centro Universitário Curitiba, conforme título conferido pela Instituição em 21/04/2010. Orientadora do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética – Jus Vitae, do UNICURITIBA, desde 2001. Professora adjunta IV, aposentada, da UFPR. Membro da Sociedade Brasileira de Bioética – Brasília. Membro do Colegiado do Movimento Nós Podemos Paraná (ONU, ODM). Membro do IAP – Instituto dos Advogados do Paraná. Premiações: Prêmio Augusto Montenegro (OAB, Pará, 1976 - 1ºlugar); Prêmio Ministério da Educação e Cultura, (1977 – 3ºlugar); Pergaminho de Ouro do Paraná (Jornal do Estado, 1997, 1ºlugar). Troféu Carlos Zemek, 2016: Destaque Poético.

2 PAESANI, Liliana Minardi. Direito e internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 31 - 32.   

Brasil, Código Penal. Decreto – Lei nº 2848, 7 de dezembro de 1940: disponível em www.senado.gov.br

4. Brasil. Constituição da República Federativa do. 1988; disponível www.planalto.gov.br

5. Id.

6. Paesani, Liliana Minardi. Op. cit; p.35.

7. Id., p. 39.

8. Brasil. Constituição da República Federativa do. 1988, loco. Cit. 


Comentários