Arriete Rangel de Abreu: Tempos e Gerações

Tempos e Gerações


Perdoe-me, não tenho tempo para você!
Meu tempo é escasso, limitado:
Trabalho, amigos, viagens, almoços, festas e jantares;
Não tenho tempo para você.

Trabalho como uma condenada.
Empregada ou patroa, meu tempo é sugado.
Chego em casa, se tenho marido e filhos,
Lá estão eles, pedindo minha presença.

Perdoe-me, não tenho tempo para você!
Meu tempo é escasso, limitado:
Além de que seu papo, ultrapassado,
Comigo nada tem a ver.

Você fala das suas coisas,
Nenhuma delas me interessa
Seu tempo é o ontem, não tem pressa;
O meu é o hoje – vivo a correr.

Perdoe-me, não tenho tempo para você!
Meu tempo é escasso, limitado:
Reuniões, encontros, network, transações
MP4, chats, e-mais, Facebook, celular...eventos a valer.

Você não entende, não consegue mais
Sem mobilidade física, quem sabe mental
Não pode me acompanhar
Além da vergonha, que a sua ignorância me faz passar.

Perdoe-me, não tenho tempo para você!
Meu tempo é escasso, limitado:
Se solteira, tenho as baladas, as relações descompromissadas –
O que não posso, é vir te ver.

Você traz o medo do meu futuro,
A gaguice, o escuro, os tropeços...a lentidão.
Incapaz, na sua dependência
Prende-me a você, como salvação.

Perdoe-me, não tenho tempo para você!
Meu tempo é escasso, limitado:
E o pouco livre ah...esse quero todo
Pois nele quero viver.

Você não pode fazer parte dele
Chatices à parte, não pensa como eu, e o
Seu passado não me interessa
Seu presente não é o meu.

Perdoe-me, não tenho tempo para você!
Meu tempo é escasso, limitado:
E se não fosse, também não teria tempo
Para o tempo perdido em seu olhar.

Você vai dizer
Que cuidou de mi, me viu crescer,
Das noites acordadas, em vigília constante,
Pela doença que me acometeu.

Mas entenda: você fez a sua escolha –
Doou o seu tempo para mim
Tempo que não lhe pedi
Por isso nada lhe devo.

Mães, tias, avós, vocês não estão abandonadas
Só que não temos tempo para vocês,
Nossa vida é a maior correria
Vocês já viveram o que tinham que viver.

Lá em casa não tem espaço,
Como vou abrigar você?
Dividindo a cama como fazia comigo?
Nem pensar, os tempos mudaram.

Minha privacidade é importante
E sua presença limitante.
A casa é minha para receber os amigos
Me divertir, em boa companhia.

Sei, sei, você vai dizer
Mas minha filha, por você tudo troquei
Meu tempo foi para você
Minha vida foi fazer você crescer.

Sim, dei-lhe educação, a alimentei e vesti
Dei-lhe o teto, o amor e o afeto
Hoje você é uma doutora,
Da ciência tudo sabe, só não sabe do amor.

Ih, lá vem você com esse papo
Me aborrece, não tenho saco.
Por isto continuo afirmando
Seu lugar é aqui, venho lhe ver de quando em quando.

Está bem, minha querida filha
Nada posso querer fazer
Meu dinheiro como o meu tempo
Para você, dediquei.

Fico feliz, por vê-la criada
Mulher feita, emancipada
Minha filha doutora, por mim gerada
Sucesso no hoje, esqueça o passado.

Sem sentimentalismos minha mãe
Você não vai me comover
Você fez as suas escolhas
Não me responsabilize, nada tenho a fazer.

Hoje é diferente:
As mulheres trabalham fora,
Somos independentes,
Temos dinheiro e vida boa.

Empregadas, carros, casa grande e todo o conforto
Trabalhamos, levamos os filhos para a escola.
Nas férias, viajamos
Passeamos mundo afora.

Sem esquecer o shopping center,
O espumante, e as roupas de grife,
Todo o que podemos pelo dinheiro
Que o nosso tempo produz.

Sim, sim, filha amada
Entendo tudo, e vejo você
Alegre, firme e cheia de poder,
A dama de ferro, sem o ser.

Fotografia de Isabel Furini



















Brilhe minha filha querida
Nós os velhos, nos despedindo da vida
Estamos aqui, asilados e tristes
Como dizem: não soubemos viver!

Não fomos egoístas e sem sentimentos
Pecamos ao ser tolerantes, com caprichos como os seus
E, por amar demais, e abrir mão
Da nossa vida em prol de vocês.

Quando pensei que construí
Algo bom e perene
Vejo que me trai
Porque apenas não pensei em mim.

Vá em frente filha brilhante
Viva feliz, plena e realizada
Não se preocupe com esta mãe
Aqui, abandonada


Minha casa, já não tenho
E meu quarto é coletivo
O banheiro é para todos
E em fila, vamos indo.

Hoje tenho mais horários
Dos que impus para você
Todo tem a hora certa
Só não sei a hora em que irei morrer.

Mas quando a minha hora chegar
Não precisa correr, e nem chorar
Não perca o tempo que nunca quis ter
Para com a sua mãe, conviver.

Deixe-me ir sozinha e quieta
Como sozinha e quieta aqui fiquei
Mas na minha solidão, tive tempo – todo o tempo
De só bem lhe querer.

Vá com Deus, querida filha
Sua mãe estará aqui
Até que Ele mostre a hora
Em que sua mãe irá partir.

Não se desespere se perceber
Que o tempo só tem valor
Quando partilhado com quem amamos e
No tempo certo do viver.

Nem tudo recuperamos
Afetos e abraços só são possíveis
Quando presentes no coração.
Não lamente, não perca tempo.

Fotografia de Isabel Furini
O passado não voltará.
O muito que pode acontecer
É seus filhos terem o mesmo tempo
Que não dedicou a mim.

E se isto acontecer
Não se culpe, aqui você terá bastante tempo
Para refletir, pensar e analisar
Onde errou, o mesmo erro que diz: eu cometi.

Fique bem, filha amada
Estou só, mas estou bem.
Se alguma tristeza carrego
É só minha, de mais ninguém.

Arriete Rangel de Abreu


Fragmentos do poema Tempos e Gerações de Arriete Rangel de Abreu foram lidos no Recital de Isabel Furini, na 36a. Semana Literária do SESC & XV Feira do Livro Editora UFPR, em 18 de Setembro de 2017.


Arriete Rangel de Abreu é promotora, empreendedora cultural e mentora do projeto SemeArte. É escritora e poeta. Graduada em administração e Educação Artística. Associada ao Centro Paranaense Feminino de Cultura e Centro de Letras o Paraná, e da Academia de Cultura de Curitiba.

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