Chris Herrmann: Autorretrato e outros poemas

Textura

tentei tirar de letra
a vida, palavra amorfa,
que não cabia no alfabeto

criava um novo e morria
na textura do meu corpo
no papel da minha mente

horas, dias, anos, sonhos,
ganhos da minha releitura:
- infernos ou fortunas?

me livro da resposta e aceito
ser apenas esta f(r)ase louca
inacabada de me reescrever

Chris Herrmann


*



Autorretrato

de tanto
que me contorci
criei asas

de tanto
que me comovi
criei música

de tanto
que me reescrevi
deixei a vida
me tocar

Chris Herrmann
Fotografia de Isabel Furini
Cortes

a esperança sumia
enrolada nas cordas
lanhada no arame
que me farpava
o sonho

a areia se chegava
ardia queimava
minha planta dos pés
derretia a última
bússola

as pedras que partiam
furavam meu olhar
me apontavam
um nada e nenhuma
direção

hoje corto caminho
pelo rio de lágrimas
ressecadas
cortadas pelo tempo
com olhares renovados
e um coração
-estancado-
na mão

Chris Herrmann


*

Sem o pó

um dia isso tudo acabará
um dia não seremos mais nada
um dia será tudo pó

mas antes disso tudo terminar
e antes de virarmos poeira cósmica
ainda lembraremos que vivemos
um dia após o outro, sendo tudo
ou um pouco de nada

mas nada mesmo, nem um pouco
que se compare ao tudo de sentir,
de experimentar a paixão de viver
e que honre um punhado de pó...

a não ser naqueles raros momentos
em que -distraídos e extasiados por algo
pequeno aos olhos, pueris e simples,
que nem sabemos como explicar-
conseguíamos tirar o pó dos olhos
e dos espelhos

Chris Herrmann



Chris Herrmann é escritora, poeta e musicoterapeuta carioca radicada na Alemanha. No Brasil, estudou Literatura na UFRJ e Música no CBM. Na Alemanha pós-graduou-se em “Musikgeragogik”. Participou e organizou de diversas antologias de poesia no Brasil e no exterior. É autora dos livros de poemas “Voos de Borboleta”, “Na Rota do Hai y Kai” e Gota a Gota.

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