Ana Paula Olivier: Olinda - e outros poemas

CANTIGA DE NINAR

Senhora, seja humana
demasiado humana
faz dos meus sentidos
a tua festa
da minha pele
tuas estradas
do meu olhar
tua noite de Natal
Olinda e Carnaval.
Senhora, seja humana
demasiado humana
faz da minha carne
a tua casa
e dos meus braços
a tua noite
onde descansas
exausta, exausta
da solidão
das outras.
Não deixa, Senhora
que os deuses me abandonem
e seja humana, demasiado humana
E beija-me os lábios
sem descanso
beija-me todo o corpo
como desejares
infinitas vezes.
Mas, seja humana, Senhora
Seja humana
e caso eu acorde
faz-me dormir para sempre, Senhora
demasiadamente humana
e para sempre.


OLINDA

Para Tia Licy, Vera e família.
Vem dos vales, tua voz
dos arRecifes
das profundezas dos mares
vem dos teus pais
das histórias que tua mãe contava
deitadas na rede.
Vem dos vales, tua voz
do poço fundo
dos casarões de Olinda
das alegrias dos carnavais.
Vem dos rangidos das redes
vem da tua doçura, tua voz
vem com a sede dos canaviais
das senhoras dos engenhos
das lições das jaqueiras
das risadas das meninas.
Vem dos vales, tua voz
lá das caatingas
vem lá do sertão, das profundezas
de Lampião e Maria Bonita
arrastando as sandálias
abraçados na chuva e no verão.
É bonita, tua voz
vem da tua timidez
vem dos vales, tua voz
do primeiro grito
dos teus ancestrais.
Vem do teu primeiro grito
-Ó, linda!



SOB O SOL DA GRÉCIA

Eu vi teus primeiros fios brancos
nos teus cabelos negros negros
sob o céu da Grécia.
Vi o teu sorriso
agora, todos os dentes livres do aço
teus dentes apolíneos, de fato
feito pérolas.
Eu vi o Mar Egeu
e li Safo pelos teus lábios
e implorei à Afrodite por mais beleza
e por mais bondade.
Eu vi Zeus
pelos teus olhos
e lancei meu grito
ao infinito.

Fotografia de Isabel Furini

FOLHAS DE RELVA
Para Hilda Hilst

Vem deitar na relva
escuta o que sei dizer
das poesias e de Whitman.
Vem deitar na relva
“Apreende a experiência lésbica”.
Aprende o que digo.
Vem deitar na relva, minha selva
inventa-me poemas com teus dígitos.
Vem deitar na selva, no meu divã
e abre-me as janelas
caso eu acorde
apreende o que digo
de relvas e dígitos.


Das coisas que você me fez amar
e nem sabe
cabelos curtos
a língua inglesa
peles de prata
olhos pequenos
ancas largas.
Das coisas que você me fez amar
e nem sabe
o mar e os arrecifes
a Alameda Santos
amores correspondidos
a tua língua italiana.
Das coisas que você me fez amar
e nem sabe
filmes de guerra
comida japonesa
tuas costas largas
os índios que brincam
nos teus cabelos negros
a paz do teu sorriso branco.

***

Teus cabelos curtos
ou longos
teus detalhes.
A doçura escorre
no mesmo tanto
A ternura adorna
o mesmo caule.
Teus cabelos curtos
ou longos
feito crinas de cavalo
para eu cavalgar cavalgarcavalgar
até as tranças de Rapunzel
que vai dos teus cabelos ao céu.














Ana P. Olivier nasceu em Natal (RN) em 1971 e está radicada em São Paulo (SP) há dezesseis anos. É mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC (SP). Também éatriz e escritora, com diversas prêmios literários e participação em antologias poéticas publicadas no Brasil. Atualmente é professora de  ensino superior e doutoranda em Ciências Sociais pela PUC (SP).Infinito sobre o peito é o seu primeiro livro de poesia.


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