Thiago Scarlata: Poemas

Revellion

obrigamos o céu
a engolir
nossos fogos
artifícios que usamos
pra compensar com luz
um ano turvo
uma cortina branca
abre-se
sobre taças de espumante
alguém abraça
um corpo
estranho
enquanto o mar
ingere flores, barcos
e outros tipos
de oferendas

Thiago Scarlata

Fotografia de Isabel Furini

O Quarto desde que deixei meu quarto

minha mãe vela ali
a ausência de um menino
é o mesmo quarto
que à sua medida
é maior que a própria casa
não nasceu um sol
nem subiu uma lua
sem que ela, esfregando cada canto,
cada móvel, cada troço,
não descarregasse
seu zelo ao filho invisível
abraçando um travesseiro
do qual já não lembro
desde que saí
minha mãe experimentou
toda configuração
possível num quadrado
puxou mesa,
moveu estante,
moveu armário
e abriu a única janela
(já estão todos frouxos
os parafusos de meu quarto)
e numa última tentativa
passou uma antiga camisa
que hoje não me cabe
delegando ao ferro quente
o papel de um pai
que traz de volta o calor do filho
minha mãe sempre soube:
quando as coisas ficam
muito tempo paradas
forram-se de pó.
e é assim que conformamos
o tecido da lembrança
encardimos, mudamos as roupas,
trocamos de cama...
menos minha mãe
que se agarra ao seu endereço
e dali nunca mais.
fumando um filho transparente
num quarto transparente
e nele soltando
juras em sua fumaça
o filho que ali viveu
não sou mais eu

Thiago Scarlata



Pressurizado

a cada incêndio
a cada prédio desabado
a cidade exibe seus entulhos
e devem ser considerados

como o tijolo que aceita
o reboco
acostumamos nossa pele
ao sol

e quem, afinal
gere com tamanha imprecisão
(lodo e pressão)
o cronograma dos chafarizes?

toda avenida queria ser beco
e os bares,
essas válvulas úmidas em tempos secos,
ilhas artificiais anti-depressão,
escoam o limbo

Thiago Scarlata


Thiago Scarlata é poeta, músico, escritor e criador/editor do Blog Literário Croqui. Teve poemas traduzidos para o espanhol, publicados em antologias e também nas Revistas Gueto, Escamandro, Mallarmagens, Monolito, Incomunidade, Janelas em Rotação, Poesia Brasileira Hoje, Poesia Avulsa, MOTUS, Jornal Correio Braziliense, Jornal RelevO, Literatura&Fechadura, além de blogs literários. Foi finalista do PRÊMIO SESC DE LITERATURA 2016 e vencedor do CONCURSO MOTUS – MOVIMENTO LITERÁRIO DIGITAL 2017. É autor do livro de poesia “Quando Não Olhamos o Relógio, Ele Faz o Que Quer Com o Tempo” (Editora Multifoco, 2017).

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