Salgado Maranhão: Poesias

CENACIDADE 6

De manhã,
o sol indiscreto
bisbilhota as fachadas
de Copacabana:
desnuda
o que a cidade
vende aos turistas.

E o hábito do mar
acolhe as nervuras
do concreto.

Entre caras e biquínis
o Calçadão trás o Leme
ao Arpoador;

suas veias escorrem
pelas transversais,
por onde o morro
acessa o asfalto.

Reina a transgressão
e suas variáveis,
enquanto a orla amarra
a noite
em seu colar de luzes.

Salgado Maranhão
(A Cor da Palavra)

Fotografia de Isabel Furini
IX

Por hoje, acendo as luas
cromáticas na orla
errante das metrópoles. Aceito
a tribo que nunca será minha
e que sequer
guarda meu cheiro
ou minha sombra (como

as lavas do poente
e do amanhecer
que se pertencem
sem saber). Aceito

esta geografia verbal
(e seus rios vegetais)
na foz de minhas águas
bárbaras.

Dia após dia, o vento
se agacha em meu grito,
para dublar meus instintos.

Só persiste o que respira
nas palavras, na dor
a varejo, sem nota fiscal.

Ou no cheiro dócil das coisas
que nos servem sem rancor.

Salgado Maranhão
(A Sagração dos Lobos)



LACRE 12

Minha asa está ferida
pelo sopro da noite,
pela respiração dos chacais.
Não quero rugir
com os insanos, mas
cingiram-me às suas cosmogonias.

Milênios sangram em mim
os mortos que assassinaram
anteontem;

e os atavios da fé
em meu coração de pólvora.

Insulado de enigmas,
ergo na sombra um amanhã
de estilhaços.

Voa, poesia,
antes que um tiro te alcance.

Salgado Maranhão
(Ópera de Nãos)

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