Neurivan Sousa: 1983 - e outros poemas

SÓ TENHO OLHOS PARA O LESTE

O pôr do sol:
Um poema
Cor de púrpura

Trazendo à tona
O peso do tempo
Os grãos das perdas

Então dou as costas
À tarde que expira
Soluçando abismos

E abro meu álbum
De delitos, num rito
De rejeição à culpa

Porque para mim
O horizonte
É útero materno.

Arte Digital de Carlos Zemek
VÔMITO

Há porcos mais sujos
Que estes pobres suínos
Deste quintal sem favas

Porcos que nos fuçam
Como se fôssemos lama
Para nutrir suas fezes

Das suas entranhas impuras
A babugem escorre caudalosa
E soltam grunhidos agourentos

Para apagar a nossa memória
A cada nova ida às urnas
Quando a podridão não fede.


1983

Quando a chuva lavava
As feridas da cidade
Levava consigo metade
De meus desperdícios

A outra parte servia
De isca para enganar
Adultos e adúlteras
Adubo na gestação
De outros calendários

As ruas se vestiam
De saias e calças novas
As calçadas viravam
Lousas onde a gurizada
Rabiscava búzios
Sonhos e percursos

Então uma saudade
Cheirando a alfazema
Vinha abrir goteiras
Dentro de meu silêncio.

Neurivan Souza



POESIA ALADA

Talvez os poetas
Sejam pardais
Das manhãs perdidas
De uma infância
Abreviada

E têm mania
De cantar
Enquanto
Catam palavras
De tudo aquilo
Que fica extraviado
No silêncio

Aos pardais
E aos poetas
Ser nada é tudo
Que lhes basta!

Neurivan Souza


NEURIVAN SOUSA é poeta e professor, natural de Magalhães de Almeida-MA (1974), radicado em Santa Rita. É autor de Lume (2015), O pequeno poeta (2015), Palavras sonâmbulas (2016), O pequeno poeta em segredos no jardim (2016) e Minha estampa é da cor do tempo (2017). Membro fundador da Associação Maranhense de Escritores Independentes (AMEI) e Membro Correspondente da Academia Itapecuruense de Ciências, Letras e Artes (AICLA).


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