Valdir Cesar Conejo Jr: Cabelos que ondulam as nuvens do céu - e outros poemas

A PENEIRA DA LINGUAGEM

mágoas arremessadas
contra a peneira da linguagem
as vidas que o poeta criou
tem gosto de mar
cada lágrima filtrada
fingida mágoa revisitada
como lisboa pelas janelas
da traseira de casa
pessoas vistas fumando
a tabacaria sentida
com nitidez
saboreada libertação
do mundo dos príncipes
tragos de primavera
em linhas tortas
aos olhos de quem lê
lágrimas saem e abrem espaço
a todos os sonhos do mundo
eu disse que continuarei lendo
pessoas enquanto o destino
me conceder
e da linguagem fez-se sol
o dono da peneira
sorriu.
Valdir Cesar Conejo Jr.




CABELOS QUE ONDULARAM AS NUVENS DO CÉU
(para Júlia)

não adiantaram trinta anos olhando para o céu
foram precisos dez anos conhecendo você
para entender as nuvens e todas suas ondulações
que tentam imitar o movimento dos seus cabelos
foram precisos dez anos conhecendo você
para que, passados bares e pessoas em comum
Saramago decidisse nascer de novo
em nossas carteiras, num mesmo verso
sem que soubéssemos, até que Chico César
e Maria Monte fizessem com que mostrássemos
um para o outro no meio de um copo de cerveja
nossas anotações guardadas, que escondíamos do mundo
e depois disso você apareceu de novo
na música do meu beatle preferido
"Halfofwhat I sayismeaningless"
num verso de um poeta chileno
numa parede coçando de cócegas
pichada com o bigode do Leminski
num desenho meu perdido na timeline
e sempre no céu, onde as nuvens continuam
imitando seus cabelos ondulados
e de tanto as nuvens imitarem seus cabelos
eu sei que hoje, onde quer que você esteja
não haverá tempestade, terá sempre bom tempo
no máximo uma brisa leve, como um sopro seu
que sopre saramagos anotados em papéis de pão
e uma garoa fina como lágrima, que não impeça
as crianças de brincarem na rua.

Valdir Cesar Conejo Jr.


AO QUERIDO GUARDADOR DE REBANHOS

eu nunca tive rebanho
nunca fui fazendeiro
nunca fui protegido por homens da lei
nunca roubei
mas é como se roubasse
só de olhar
de ter nascido
roubasse o sol
mas, só sou feliz quando o sol morre
e a lua me dá chances
de não ser culpado
de olhar além do morro
uma borboleta na janela
na casa da madame
e acabar com seu sossego
porque olhar não é meu direito
"de certo esse favelado pensa que existe?"
pensar incomoda como ser pobre
e correr na periferia
quando a polícia chega
parece que corremos mais
mesmo sem culpa
vigiados, nunca estamos sozinhos
somos bem vindos, se cordeiros
fechados em rebanho
sem sermos vistos
eu fico triste quando
nasce o sol.

Valdir Cesar Conejo Jr.

Valdir Cesar Conejo Júnior, de Mirassol-SP. Mora em São José do Rio Preto-SP. Desenhista, poeta e bêbado sempre que possível. Fez ciências sociais, mas desistiu de dar aulas para ser sempre aluno.
E-mail: valdircjr@live.com

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