Maria da Glória Colucci: A Palavra no Direito


A “PALAVRA” NO DIREITO

Maria da Glória Colucci
1 INTRODUÇÃO

O conjunto de palavras, seus significados e situações que relatam, correspondentes ao que se denomina “discurso jurídico”, é instrumento corrente de comunicação do Direito, sob diferentes formas.
Traduz a linguagem jurídica – quando instrumentaliza comandos, ordens, proibições, determinações, permissões etc – uma relação de poder, de autoridade, de mando, porque é uma linguagem prescritiva.
Por se tratar de um idioma técnico é construído com base em complexos signos linguísticos nem sempre compreensíveis pelos leigos, acarretando embaraços à interpretação das fontes positivas, até mesmo aos profissionais do Direito.
O rigor da linguagem jurídica, ao mesmo tempo que comunica e estabelece uma relação de poder, representa uma espécie de “escudo” protetor para evitar dubiedades, que oportunizem o descumprimento da Lei; quando for interpretada ou aplicada.
Alguns aspectos relevantes devem, sempre, ser considerados quando relacionados à linguagem jurídica, dentre os quais o fato de que se estrutura a partir do vernáculo; a forma culta de expressão do idioma.
Como meio ou instrumento de comunicação, a linguagem jurídica carece de facilidade de acesso e entendimento por grande parte dos cidadãos, além dos próprios estudantes e práticos do Direito. Os textos jurídicos vêm carregados de expressões em latim, que se tornaram correntes, portanto, usuais, devido às raízes romanas do Direito Ocidental Moderno.
A linguagem jurídica está em contínua evolução devido à necessidade de que os textos das fontes formais do Direito correspondam à dinâmica dos fatos da vida.
As novas expressões ou signos linguísticos que traduzem circunstâncias de conflitos sociais, econômicos, políticos etc, são de toda ordem; exigindo que antigas formas de comunicação adquiram novas interpretações ou, o que é muito frequente, novos vocábulos sejam criados ou ressignificados para viabilizar a comunicação das previsões normativas.
Estas e outras questões, como o hábito da leitura e a comunicação virtual, serão analisadas no texto.

Obra de Davi Faustino

2 LINGUAGEM FORENSE

A comunicação humana, não só a jurídica, é resultado de longa evolução histórica, em que se processaram sentimentos, informações, ordens, tradições, crenças e valores, transformados em convencionalismos orais ou escritos, passados de geração a geração, sob a forma de signos numéricos, linguísticos, geométricos, sonoros etc.
A linguagem comporta embaraços, nem sempre cumprindo sua função adequada cabalmente, qual seja, comunicar ideias, situações, valores, ordens, proibições. Referidos obstáculos decorrem do contexto em que se processa a comunicação, ou mesmo do que se denomina “polissemia”, ou seja, os vários significados que um termo comporta.
Um exemplo simples, na linguagem jurídica, é a expressão competência, que pode ser entendida no sentido corrente, qual seja, grande habilidade, conhecimento científico ou técnico; mas, que, juridicamente, quer dizer limite legal ao exercício de uma função do Estado (competência legislativa, administrativa e jurisdicional), gerando compreensão equivocada aos leigos ou ainda não iniciados na linguagem jurídica.
Ao se destacar que a comunicação se processa por meio da linguagem, em suas diversas manifestações, deve-se lembrar que possui, além do aspecto comunicacional, o forte apelo de ser instrumento de controle de condutas, sentimentos e valores.
Embora não seja frequentemente frisado, sabe-se que “quem comunica controla”. Assim, o controle se dá por meio da linguagem, escrita, falada, gestual ou não; de modo que não só pessoas, como objetos, são comandados por ela. Um exemplo do seu poder de controle está em duas expressões utilizadas em equipamentos, a saber, on e off – liga e desliga. Ao serem utilizadas para ampliar, diminuir, eliminar, deletar, “explodir”, simples ou complexos, grandes ou pequenos, equipamentos, transmitem poder a quem os manipula, corretamente ou não.
Deste modo, a linguagem em sua estrutura simbólica, processa ideologias, práticas, e uma diversidade de aspectos conducentes a resultados não previstos, portanto, “todo cuidado é pouco”, como é proverbial se afirmar.
Na novel Ciência da Informática e Comunicação, sons, signos, memes, virais, etc, aglutinam e amparam um universo de ideias, sentimentos, tradições e valores, nem sempre absorvidos pelos seus usuários e/ou destinatários. Ao mesmo tempo que podem instrumentalizar em alto grau os avanços científicos, podem ser meios perversos de sofrimento e desumanização (fake news).
Portanto, a linguagem pode ser poderoso (coloquial ou formal) instrumento de comunicação; no sentido de estimular comportamentos desejáveis e afastar os indesejáveis, seguindo os valores de “moralidade média” da comunidade; mas, poderá se transformar em perverso meio de eliminação de desafetos, concorrentes, inimigos etc, dependendo de como se dará a utilização de seus signos.


3 O HÁBITO DA LEITURA

Consoante o que prescreve a Constituição de 1988, no art. 13, caput, o idioma português é a linguagem oficial, devendo todos os documentos públicos ser redigidos observando o vernáculo (forma culta de comunicação da língua). 
O hábito da leitura (nem sempre estimulado nos anos de estudos que antecedem o ingresso nos cursos superiores) é a porta de entrada para a formação sólida dos futuros operadores do Direito na compreensão das várias formas de expressão linguística forense.
Destarte, pode-se falar em linguagem da lei; linguagem das decisões judiciais; linguagem dos negócios jurídicos; linguagem doutrinária, científica, técnica etc, que correspondem a variações e particularizações da comunicação jurídica:

O português “jurídico” não é o único idioma que o estudante de direito deve dominar. Os regulamentos e a doutrina jurídica de muitos países apresentam grandes semelhanças com o direito brasileiro e, por essa razão, são utilizados na vida forense e nas pesquisas teóricas. Quem deseja ampliar e aprofundar o conhecimento jurídico deve adquirir a capacidade de ler em outros idiomas.

O inglês, o francês e o italiano, além do latim e alemão, são usados com bastante frequência nos textos doutrinários e jurisprudenciais, impondo aos operadores do Direito certa habilidade de compreensão de termos e expressões em idiomas estrangeiros, sobretudo, os que guardam maior afinidade com o português, a exemplo do espanhol.
A leitura constante, variada, é o principal meio de alargamento dos horizontes intelectuais do profissional do Direito. Hábitos novos de exercício mental se processam de várias formas, mas a leitura ainda continua sendo o principal:

Evidentemente, a leitura de livros é obrigatória. Os clássicos da língua portuguesa, como Eça de Queiroz, e da literatura brasileira, como Machado de Assis, deverão ser consultados. É deles que sairá uma linguagem clara, elegante, rica. Aqueles que não lêem, não têm vocabulário e não conseguem passar para o papel o que lhes vai à mente. Como imaginar um advogado que não sabe expor as suas ideias ou um juiz que não sabe como definir, esclarecer e comunicar o que está decidindo. É inconcebível. (grifou-se)

Reforçando a importância da leitura para a formação do profissional do Direito, a Resolução nº 9/2004, do Conselho Nacional de Educação, em inúmeros momentos de seu texto, insiste na interpretação de documentos, textos jurídicos doutrinários e decisões judiciais como instrumentos do aprimoramento profissional.
Por tantos motivos, a linguagem jurídica deve ser de tal modo que influencie os emissores e receptores em seu agir diário, como verdadeiro código de conduta pessoal, pautado em valores morais de uma dada comunidade.
Deste modo, há uma função pedagógica no Direito, de educar, mudar padrões de conduta prejudiciais à vida coletiva; como se verifica nas normas (regras) de trânsito; cujas diretrizes técnicas vão além da proteção individual da integridade física, da saúde, da propriedade etc, para transformar o agir dos condutores de veículos e dos pedestres.  O mesmo se diga do Código de Proteção e Defesa do Consumidor e a educação dos consumidores das gerações presentes e futuras.


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos dias em curso, a comunicação virtual adquiriu tal dimensão, que os “memes” estão reduzindo a linguagem a símbolos apenas entendidos pelos que transitam no universo digital. Os meandros verbais do raciocínio digital estão se tornando mais e mais incompreensíveis, mesmo se considerada a linguagem coloquial como o nível mais simplificado e descompromissado de comunicação.
A evolução da linguagem se deve a inúmeros fatores, dentre os quais as tradições familiares, que transmitiram e recriaram a diversidade de signos que, hoje, permitem a comunicação entre as pessoas e nações.
A aparente singularidade das palavras, no entanto, no caso do Direito, desaparece a partir do momento que influenciam a vida dos destinatários de suas expressões normativas, carregadas de poder de mando das autoridades coatoras.


Dentre os inúmeros desafios que se oferecem aos operadores do Direito se destaca a compreensão dos termos jurídicos e sua adequada utilização nas atividades forenses.
Contornadas as dificuldades iniciais, perfeitamente aceitáveis aos leigos e iniciantes no Direito, a leitura constante é o único instrumento facilitador da interpretação do discurso jurídico, sob a forma de leis, decisões judiciais, cláusulas contratuais etc.
O estímulo à leitura deve começar desde a infância, todavia, é sabido que pouca importância se dá aos livros, aos textos literários e aos jornais, em um País onde a educação e a cultura ainda não ocupam o lugar que deviam...
“Um país se faz com homens e livros” (Monteiro Lobato – 1882-1948).



1 i Advogada. Mestre em Direito Público pela UFPR. Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR. Professora titular de Teoria do Direito do UNICURITIBA. Professora Emérita do Centro Universitário Curitiba, conforme título conferido pela Instituição em 21/04/2010. Orientadora do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética – Jus Vitae, do UNICURITIBA, desde 2001. Professora adjunta IV, aposentada, da UFPR. Membro da Sociedade Brasileira de Bioética – Brasília. Membro do Colegiado do Movimento Nós Podemos Paraná (ONU, ODS). Membro do IAP – Instituto dos Advogados do Paraná. Premiações: Prêmio Augusto Montenegro (OAB, Pará, 1976-1º lugar); Prêmio Ministério da Educação e Cultura, 1977 – 3º lugar); Pergaminho de Ouro do Paraná (Jornal do Estado, 1997, 1º lugar). Troféu Carlos Zemek, 2016: Destaque Poético.

REFERÊNCIAS

ABL. Academia Brasileira de Letras. Disponível em: <http://www.academia.org.br/>.

BRASIL, Código de Defesa do Consumidor. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: <https: //www.planalto.gov.br>.

BRASIL, Código de Trânsito Brasileiro. Lei nº 9.503 de 23 de setembro de 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503.htm>.

BRASIL, Conselho Federal de Educação. Res. nº 9, de 29 de setembro de 2004. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces09_04.pdf>.

DIMOULIS, Dimitri. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

FREITAS, Vladimir Passos de. Curso de Direito: antes, durante e depois. 2. ed. Campinas, SP: Millennium Ed., 2012

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