Marli Terezinha Andrucho Boldori: A caixa de sapatos



Existem tantas coisas que nos deixam perplexos, fatos que são grandemente comentados, às vezes lhes damos valor alto sem ao menos mensurar o seu significado para alguém.

   Há situações que nos tornam muito ricos e felizes, mesmo sem ter o dinheiro nos sentimos poderosos, assim como dizia Immanuel Kant:

“Não somos ricos pelo que temos, e sim pelo que não precisamos ter.”

     Em um tempo repleto de atribulações, catástrofes, acidentes, corrupção, e outros acontecimentos, que nos levam a esquecer de que há algo melhor acontecendo ao nosso redor.

     Em um dia nublado, com temperatura baixa, observei um senhor que estava de bicicleta, no bagageiro de trás havia uma caixa de sapatos, pelo tamanho era de adulto, percebi que o homem, a todo instante olhava para trás para ver se tudo estava bem. Passei a prestar mais atenção nos detalhes, a caixa estava amarrada com elástico, tudo bem atado para que ela não se movesse.

Observei o carinho e cuidado que era dispensado à caixa, o amor era inegável, e o que eu via me deixava feliz, pois com certeza, o que estava na caixa era de muito valor.

Minha mente começou a imaginar muitas coisas, juntamente com a curiosidade, tentei manter minha caminhada para não ultrapassá-lo, pois estava decidida a saber o que havia de tanto valor ali.

  Eu parecia estar sendo exigente comigo mesma, me condicionando ao tempo daquele senhor desconhecido, que até lembrei-me de Clarice Lispector quando disse:- “Amo e adoro tudo o que é simples, tanto que às vezes pareço exigente!”

Não percebia o tempo passar, pois ele estava pedalando muito devagar, e, eu caminhando lentamente, a caixa havia me dado muita inspiração, ela com certeza estava transportando valioso tesouro, algo impagável com dinheiro, tanto carinho, atenção, amor, cuidados, o que seria?

Constatei que eu estava me sentindo feliz, por fazer parte daquele desconhecido acontecimento. Ficou ali, provado que a felicidade é uma condição que independe de dinheiro, eu estava valorizando muito aquele fato, e valorizar e preservar suas conquistas é outro modo de ser feliz. A caminhada e pedaladas continuavam e, a cada instante diminuíam mais, eu sentia que estava sendo indiscreta, que a minha bisbilhotice poderia me causar problema, pois o senhor já havia notado minha curiosidade, o que não o fez cessar com os cuidados com o conteúdo da caixa. Ele continuava muito feliz, dava para ver em suas atitudes. Eu estava pertinho da caixa, mas ainda assim, não conseguia identificar o que era. Uma caminhada e algo tão simples transformaram minha maneira de agir, de pensar, pois até sorri ao me perceber assim. Os momentos foram valiosos para mim, o padre Fábio de Melo falou algo semelhante ao meu pensamento:-

   “Há momentos em que a luz miúda nos revela muito mais que mil holofotes. Chega de vida complicada. Eu preciso é de simplicidade.”

Fotografia de Isabel Furini
E a simplicidade estava na minha frente, literalmente, me trazendo um momento muito feliz.

A felicidade havia me contagiado, me permiti ser feliz no instante que percebi as demonstrações de carinho do homem para com a caixa,  ou melhor, para com o conteúdo da caixa.

 Pela distância percorrida, deduzi que aquela caminhada ia ser imensa, por isso decidi perguntar o que havia na caixa.

Sabia que não seria mal interpretada, pois o semblante dele era de calma e cuidado.

- Senhor, posso saber o que leva de tão precioso nesta caixa?

Aproximei-me e percebi que a caixa estava cheia de furos para que o ar entrasse. O senhor me olhou e sorriu largamente.

Claro que pode, só não vou abrir, mas pode olhar pelos furos maiores, é um filhote de cachorrinho, acabei de ganhar, vou dar de presente ao meu filho. Ele está doente e este pequeno cãozinho o fará feliz.

Reforcei a ideia de que para ser feliz é preciso espalhar felicidade. Percebi a felicidade nos pequenos detalhes e atitudes do senhor, que pedalava lentamente a sua bicicleta dispensando grande cuidado com um pequeno cachorro, que levava  em uma caixa de sapatos, naqueles detalhes simples, pequenos, mas de um valor incalculável percebi que estava feliz.

Marli Terezinha Andrucho Bodori
AVIPAF - Cadeira 11

Comentários

  1. Parabéns,pela seleção de matérias na Revista. Aplausos!

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  2. Muito obrigada por publicar minha crônica na Revistacazemek. Obrigada por valorizar meus pequenos registros. Abraços, presidente da AVIPAF!

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