Carlos Vargas: Breve reflexão sobre a consciência Moral a partir da Filosofia Antiga


BREVE REFLEXÃO SOBRE A CONSCIÊNCIA MORAL A PARTIR DA FILOSOFIA ANTIGA

Carlos Vargas *1

“Bem é aquilo a que todas as coisas visam…  É o fim visado em cada ação e propósito, pois é por causa dele que os homens fazem tudo o mais.”  Aristóteles

Pierre Hadot (1995) mostrou que a noção de filosofia como uma maneira de viver era fundamental no desenvolvimento da filosofia antiga. Wilfrid Sellars (2004) utilizou a expressão “função filosófica” para se referir à busca de transformação pessoal que marcou a ética filosófica da Antigüidade. Sellars (2004, p. 111) tratou dessa maneira filosófica de viver e Hadot (1995) destacou o conceito de “exercício espiritual” (VARGAS, 2006).

Na filosofia antiga, buscou-se uma reflexão ética sobre o Bem, relacionando a vida e a teoria. A biografia precisava ser vinculada com a teoria. Pierre Hadot cita o exemplo de Sócrates, mas pode-se analisar também o platonismo ou o estoicismo (HADOT, 1995; PEREIRA, 2002; VARGAS, 2001). Para alguns dos filósofos antigos, poderia-se conseguir a meta ética refletindo sobre o Bem até se atingir a convicção de que há alguns bens permanentes, universais e objetivos. Pode-se discordar sobre os Bens, mas isto implica na possibilidade de fazer essa reflexão.
Obra de Carlos Vargas
Este artigo é uma breve análise dessa capacidade humana de refletir eticamente e suas consequências práticas. Cada pessoa tem a sua consciência moral. É algo que precisa ser desenvolvido aos poucos, de uma maneira própria, de acordo com o contexto social e histórico no qual a pessoa está inserida, mas sem se deixar condicionar. A capacidade moral permite discernir o valor dos objetos e dos atos de acordo com um critério, o Bem. Se o ser humano não tivesse uma consciência moral, como poderia fazer escolhas livres? Basta que existisse uma única opção moral para que a capacidade moral do ser humano ficasse comprovada (LEWIS, 2005).

A consciência moral existe, mas, como o ser humano possui uma dimensão histórica, essa capacidade precisa ser efetivada no decorrer do tempo para não se  atrofiar. E, por existirem graus diferentes de atualização, há uma hierarquia dessa “beleza moral”. No grau supremo está o nível de máxima integridade possível, o que corresponderia a um estado pessoal em que todos atos estariam adequados e coerentes com os pensamentos e com as palavras. Este é um ideal onde o passado convergiria harmoniosamente para o futuro através de cada ato presente (CARVALHO NETO, 2005).

Do bom funcionamento da consciência moral depende também a inteligência e a harmonia psíquica da pessoa. O psicólogo Igor Caruso (1965) já havia mostrado a relação entre a neurose e a repressão da consciência moral. Pode-se explicar isso observando-se que em cada escolha é feita uma opção em que se tem oportunidade, pela capacidade reflexiva, de decidir moralmente o que se prefere. O ser humano necessita escolher se pretende sair da “caverna” ou ir cada vez mais para o fundo (PLATÃO, 1997). Cada escolha moral terá a sua respectiva consequência, inclusive em termos sociais (HUSSERL, 2002). Um país no qual as pessoas escolhessem maciçamente pela indiferença moral ou sistematicamente preterissem o Bem por um critério estético qualquer, teria uma cultura enfraquecida e pobre, manifestando essa miséria especialmente na linguagem, na religião e nas manifestações de alta cultura.

A ética também tem relação com o Amor, pois quem ama deseja o bem da outra pessoa. Se alguém baseasse seus compromissos em critérios que excluíssem o Bem, estaria sujeito a sérios problemas, pois assumiria uma espécie de envolvimento no qual se iludiria inicialmente, mas poderia se comprometer em uma relação sem fundamento ético (CARVALHO NETO, 2005). Ao utilizar a consciência moral, sabemos quando devemos fazer e buscar aquilo que tem “valor”. Analogamente, é por ela que sabemos quando deve-se rejeitar e evitar aquilo que nos faz perder esse mesmo valor. A capacidade ética é um dos principais recursos para superar muitos dos nossos limites biológicos e sociais. Algo dentro do ser humano lhe diz que existe uma responsabilidade moral (LEWIS, 2005).

O exercício e o aprimoramento da consciência moral começa com pequenos gestos pessoais (AMIEL, 1985): o testemunho de que se possui uma consciência moral, o exame de consciência diário por meio da memória dos atos feitos voluntariamente e o respeito aos compromissos mais básicos da própria vida. Cada oportunidade de agir eticamente deve ser aproveitada, por mais que as tentativas de fazer o melhor sejam  frustrantes (VARGAS, 2014). Agir de acordo com a consciência moral é usar sua estrutura pessoal para decidir o melhor ato possível em cada situação. Em caso contrário, a consciência moral se corromperá e perderá sua integridade. Neste caso, o nexo da confiança moral se deixa substituir pelo apelo da sedução ou da violência (Eros e Tânatos).
 Na “função filosófica” assumida pelos filósofos antigos, era mais evidente essa perspectiva de buscar a “virtude excelente” (“areté”), no sentido socrático, buscando a sabedoria. Na história da filosofia, o papel do filósofo foi sendo reformulado, alterando-se a sua “função filosófica” (VARGAS, 2006). Contudo, o estudo da concepção antiga da função filosófica pode ter consequências para a prática filosófica (SELLARS, 2004, p. 107-168) se as questões analisadas forem retomadas, buscando-se retomar o processo de investigação para aperfeiçoar eticamente o estilo de vida da pessoa que reflete (REALE, 1999).



Carlos Vargas é Doutor e Mestre em Filosofia (PPGF/PUC-PR), sendo graduado em Matemática (UFPR) e em Filosofia (IVF/FAVI).
Membro da Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia (AVIPAF), onde ocupa a cadeira 25, tendo Santa Edith Stein como Patrona.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMIEL. Diário Íntimo. Trad.: Mário F. dos Santos, Rio de Janeiro: Record, 1985. 402p.
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CARUSO, Igor. Psicoanálisis para la persona. Trad.: Rosa T. Duque. Barcelona: Seix Barral, 1965. 241p.
CARVALHO Neto, Luiz G. Curso de Ética. Curitiba: PUC-PR: ABRH-PR, 2005.
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HADOT, Pierre. Philosophy as Way of Life: spiritual exercises from Socrates to Foucalt. Trad.: Michael Case. Oxford: Blackwell Publishing, 1995.
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LEWIS, C. S. A abolição do homem. Trad.: Remo M. Filho. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 95p.
PEREIRA, Bianca C. Exercícios Espirituais: Pierre Hadot, Michel Foucault e a filosofia como modo de vida. Rio de Janeiro: IUPERJ, 2002.
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REALE, Giovanni. O saber dos antigos: terapia para os tempos atuais. Trad. Silvana C. Leite. São Paulo: Loyola, 1999. 261p.
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SELLARS, John. The Art of Living: The Stoics on the Nature and Function of Philosophy. 2004.
VARGAS, Carlos E. Ética do prazer e da amizade em Epicuro. Revista do Instituto Vicentino de Filosofia, Curitiba, v.1, p. 1-120, 2001.
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________. Félix em Busca do Ser Humano: Contos Filosóficos. Lisboa: Chiado Editora, 2014, 61p.

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