Isabel Furini: A Poesia e as Múltiplas Perspectivas



A POESIA E AS MÚLTIPLAS PERSPECTIVAS

* Isabel Furini

“A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono. Operação capaz de transformar o mundo, a atividade poética é revolucionária por natureza; exercício espiritual, é um método de libertação interior. A poesia revela este mundo; cria outro. Pão dos eleitos; alimento maldito. Isola; une. Convite à viagem; regresso à terra natal. Inspiração, respiração, exercício muscular.
Súplica ao vazio, diálogo com a ausência, é alimentada pelo tédio, pela angústia e pelo desespero.”
Octavio Paz – Livro “O Arco e a Lira”.

Alguns perguntam: Qual é o papel da Poesia na vida humana? A Poesia ajuda a enxergar o mundo com olhos diferentes, ressignificando-o. Ela permite expressar emoções, sentimentos, pensamentos ideias, além de brincar com palavras ... A Poesia além da função estética (arte da palavra e expressão do belo), tem um aspecto lúdico. Pode provocar e questionar o leitor. A Poesia ajuda a entender e a transcender o cotidiano. Seu caminho não é o da argumentação nem da lógica, seguindo os caminhos da intuição e da emoção. A poesia é subversiva.

A Poesia é um oceano imenso – vai do lúdico à catarse, da emoção ao jogo linguístico.

Ao ouvir a pergunta: - Para que serve a Poesia? - Jorge Luís Borges inquiriu: – “Para que serve a morte? Para que serve o sabor do café? Para que serve o universo? Para que sirvo eu? Para que servimos? Se uma pessoa lê uma poesia e se é digna dela, a recebe e agradece e sente emoção. E não é pouco isso. Sentir-se comovido por um poema, não é pouco. É algo que devemos agradecer”.

A LINGUAGEM POÉTICA

O Discurso, a linguagem poética, adquire valor fundamental no trabalho poético: os jogos linguísticos, a singularidade, as figuras de linguagem, o sentido  figurativo das palavras, o uso das palavras de maneira original.

Assim como o oleiro trabalha a argila para criar objetos diferentes (pratos, vasos para flores, etc.), a linguagem poética é um dos trabalhos mais árduos para o autor. O poeta trabalha a argila das palavras para expressar a sua subjetividade.

Os livros enfatizam que a origem da palavra Poesia é Poíesis que, em grego, é um  verbo e significa fazer, criar. O poeta era considerado, portanto, o criador, o artesão da palavra. Mas a forma mais arcaica para designar o poeta era aedo, etimologicamente, faz lembrar “aedon”, rouxinol. Na Grécia antiga os poetas declamavam e cantavam suas obras. Eram rouxinóis das palavras. Na época atual, ressurgiram os recitais de Poesia e os Saraus literários. Muitos poetas gostam de  declamar as suas obras.


A POESIA COMO RECEPTÁCULO

A poesia não é uma caixa vazia, ela guarda conteúdos subjetivos: palavras, emoções, imagens, pensamentos, sentimentos, ideias, afetos e desafetos, temores e espanto. A poesia pode ser comparada com uma caixinha de surpresas – nunca sabemos o que guarda no seu interior. Um poema pequeno, pode ser um poema riquíssimo em conteúdo e sensibilizar o leitor.

Já falamos que, nesta época, voltaram os saraus onde música e poesia confraternizam. O mundo de hoje é caótico e paradoxal, onde se escreve e se publica mais, e, no entanto,  se pensa menos. A poesia que antigamente chamava à reflexão, hoje é apenas  utilizada como um chamariz por muitos novos poetas, que apenas querem chamar a  atenção para si nas redes sociais. Vivemos numa época de hiperprodução, onde as pessoas escrevem e publicam quase imediatamente. A rapidez da comunicação nos meios digitais raramente cria um ambiente reflexivo. A maioria das pessoas não está interessada em ler poesia que toque sua alma, e acabam por somente “curtir” os poemas dos amigos, sendo que geralmente nem se dão ao trabalho de fazer uma leitura reflexiva.

Nem tudo é superficial nas redes, pois existem grupos que publicam poesia e incentivam a boa produção literária. Em alguns grupos de estudo, há debates literários e pessoas que divulgam trabalhos excelentes.


Fotografia e Arte Digital de Isabel Furini

A ROSA DE GERTRUDE STEIN

“Uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa”. Esse verso é o mais citado quando se fala de Gertrude Stein. Alguns emparentam a pedra no caminho de Drumond à rosa de Gertrude. A frase foi analisada de diferentes pontos de vista.  O enunciado pode estar falando de uma mulher chamada Rosa e enfatizar que ela é uma rosa, no sentido simbólico de beleza. Mas também pode sugerir que uma rosa é na essência, uma rosa. Ou seja, uma rosa não deve ser adjetivada.

Amigo de Gertrude Stein, Pablo Picasso, um dos fundadores do cubismo, pintou um retrato de Gertrude revelando a influência das máscaras africanas – essa influência se tornará mais visível em quadros pintados a partir de 1907, como por exemplo, na pintura “Les Demoiselles d'Avignon”. Um elemento importante do cubismo são as múltiplas perspectivas. Talvez essas múltiplas perspectivas estejam implícitas na sentença: “Uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa”, ou seja, de qualquer ângulo que uma rosa seja observada sempre será uma rosa.

Parmênides de Eleia, o filosofo e poeta… sim, poeta porque Parmênides escreveu sua obra “Da Natureza” em versos hexâmetros (forma tradicional da Poesia grega). Lembremos que Homero também escreveu seus livros em versos hexâmetros. Parmênides atribuiu a sua obra à inspiração divina. No livro “Da Natureza”, Parmênides define o Ser dizendo: “O Ser é”. Isso pode parecer uma redundância, mas revela sua visão filosófica.

Analisemos a frase: “O Ser é”. Para Parmênides a frase é completa e precisa de nenhum adjetivo. Porque se dizemos que “o Ser é bom”, “o Ser é luz”, “o Ser é perfeito”, qualquer esclarecimento, qualquer qualidade que possamos acrescer à frase “O Ser é”, fará descer o Ser para o mundo do existir. Ou seja, ao dizer “o Ser é bom” estaríamos rebaixando o Ser para o mundo das formas, para o mundo da existência condicionada. Por isso só é possível dizer “O ser é”. Pleno e completo em si mesmo, o Ser não precisa de argumentações (pois as argumentações fazem que o Ser desça para o mundo do devir).

Assim como a rosa, de qualquer ângulo que o observador a veja, é uma rosa, também o Ser é sempre o Ser.
Voltando à rosa de Gertrude, intuitivamente ela percebe que “uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa”, ou seja, ela percebe a rosa na sua essência. A rosa na sua essência é uma rosa, e nada pode ser dito para acrescer elementos à sua essência. Substancialmente uma rosa é uma rosa.

Essa observação “uma rosa… tem sonoridade e revela o cerne dessa palavra. Ao dizer “rosa”, a mente associa os dados dos sentidos: imagem, cor, e também desperta emoções. Gertrude utilizava a repetição de palavras e sons para destacar e fixar a atenção.

Em “Cubismo e Fluxo do Pensamento em Gertrude Stein”, Daniella Aguiar e João Queiroz, assinalam: “Pode-se afirmar que trata-se da iconização da atenção consciente experimentada na escritura, o objeto representado, no que ela possui de qualidade mais exemplar (continuidade e mudança) – da fragmentação metonímica do cubismo analítico de Picasso (...)”

A repetição das palavras em Gertrude Stein, pode dar um resultado semelhante ao koan utilizado no Zen Budismo. Uma maneira que a mente deixe a linearidade de lado e explore novas possibilidades.

A Poesia possui, como as fadas dos contos infantis, uma varinha de condão, uma varinha mágica com o poder de modificar a percepção do mundo. E quando uma palavra é repetida em um poema, adquire um valor especial. O leitor se torna espectador dessa palavra, ou pesquisador. Alguns leitores, quando uma palavra se repete várias vezes em um poema, tentam entender o valor dessa palavra pesquisando sua etimologia e seu uso em outros textos. O verso “uma rosa é uma rosa uma rosa uma rosa”, publicado há mais de um século ainda comove, desperta o interesse do leitor. Parafraseando Gertrude podemos dizer que “um poema é um poema é um poema é um poema”.

Isabel Furini
Presidente da AVIPAF
Cadeira: 1


Isabel Furini na fotografia do Decio Romano

* Isabel Furini é poetisa, escritora e palestrante. Ministrou durante 15 anos a Oficina Como Escrever Livros, no Solar do Rosário, Curitiba/PR. Autora de 35 obras, entre elas, “Os Corvos de Van Gogh” (poemas). Participou de Antologias poéticas em Portugal, Argentina e Chile; é criadora do Projeto Poetizar o Mundo; membro da Academia de Letras do Brasil/Paraná; Presidente da AVIPAF (Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia); recebeu Comenda Ordem de Figueiró, Artes e Cultura do Brasil; foi nomeada Embaixadora da Palavra pela Fundação César Egido Serrano (Espanha, 2017); seus poemas foram premiados no Brasil, Espanha e Portugal. Em 2018, realizou um Recital Poético bilíngue (espanhol/inglês) na Biblioteca Pública de Burlingame, Califórnia, USA. E-mail: isabelfurini@hotmail.com

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