Jaime Vieira: Poemas Metalinguísticos



DECEPÇÃO

Mergulhei
o pensamento
no rio profundo
das palavras.
Na corredeira delas
me vi no meio.
Cansado, encharcado
de adjetivos,
fui para a margem
esperar o poema
que viria
e não veio.
Jaime Vieira



OFÍCIO
Suspenso o sonho
a inspiração vira-me a face.
A palavra vence a luta
e o poema não nasce.

Jaime Vieira


IMPASSE
No poço das palavras
que não mentem
tomo posse e mato a sede.
Surge então o impasse:
sobra emoção,
foge a inspiração
e o poema não nasce.

Jaime Vieira


Quadro de Davi Faustino

CONFISSÕES NOS MUROS

O espaço que eu tenho
ainda é pequeno para mim.
A porta que me espera
ainda está fechada.
As palavras que não vêm
permanecerão guardadas,
envelhecidas feito vinho, talvez
para se embebedarem
e picharem um muro qualquer
da minha cidade,
na calada da primeira
madrugada que vier.
E, enquanto as palavras não vêm,
uso as que conheço.
O espaço que eu tenho
é para as palavras
que digam o que ainda sinto por ti.
Acreditas, então, em mim,
quando nos muros escrevo
sob o teu nome
palavras simples assim:
"Ainda te amo,
volta para mim!

Jaime Vieira


FALE-ME UM TEMA

Fale-me um tema
que seja concreto
e que certamente
seja a semente
de um outro poema
que num instante
começa a nascer.
Fale-me um tema
sem palavras descalças
mesmo que se esconda,
como violeta tímida
sem problema,
mas que cresça
feito outro poema,
no jardim das palavras
de dentro de mim.
Fale-me um tema,
com palavras certas
antes do vendaval
que é constante,
antes da tempestade,
que nunca parece
chegar ao fim
Fale-me um tema,
fale-me de tudo:
das tempestades,
dos vendavais,
das bonanças...
e com outras palavras
Fale-me de você,
de nós, enfim...

Jaime Vieira




INSATISFAÇÃO

Palavras selvagens
são alazões indomáveis,
quebram suas pernas
e com rimas mancas
engavetam o poema.

Jaime Vieira




GALOPE

Por este mundo ser chato
por todo mundo estar chato
quero mesmo ser um chato
e me agarrar nas crinas
das palavras indomáveis
que galopam no tempo
e tropeçam em mim.

Jaime Vieira


DESPOEMA

No calote da linguagem
a palavra pede passagem
e não diz nada
ai, o engano é único:
a poesia vira o rosto
e a palavra dá risada.

Jaime Vieira

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