LIVRO LIVRE
Arrancar as páginas do livro
cortar as asas do pássaro
amputar os sonhos do menino
cegar os olhos do visionário
decepar as mãos do artista
secar a caneta do escritor
você pensa que isso basta
mas o livro sairá outra vez
filho materializado da alma
parido em becos escuros
entre os vãos das palavras
fará voar o pássaro em outras asas
ensinará novos passos a andarilhos
noites estreladas em olhos abertos como o dia
bocas não foram feitas apenas para engolir em seco
antes disso para o berro da palavra
e para o beijo do amor repartido
você pensa que nos cala
não há como estancar a vida depois de escrita
ou é tão louco o teu pouco
que já nem sabes
que a alma ainda é o melhor lugar
onde a palavra há de estar
até a hora certa
pra outra vez gritar o verbo em letras,
ainda que a pele, ela mesma papel rasgado,
deixando escancarar
no jorrar do sangue
ardente tinta da resistência
beijando bocas
amando vidas ávidas de esperança!
Nic Cardeal
(dia de luta ‘livro livre)
| Arte digital de Isabel Furini |
Meus poemas são remendos
(vou tecendo
– um a um –
para cobrir os rasgos da alma)
ela (eu) – a alma –
desde longe,
em tempo e lugar,
vem arranhada dessas coisas estranhas
de sobreviver às vidas.
Não estou querendo
que vazem minhas dores
para além deste tempo e lugar.
Quando for chegado meu tempo (e lugar)
de outra vez ir embora daqui,
precisarei da alma refeita,
embora outra vez costurada.
Que minhas dores
– máximas –
fiquem.
Quero ir sozinha
– 'inda que cerzida de poesia mínima –.
Nic Cardeal
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| Fotografia de Isabel Furini - Rose Garden - Califórnia |
GENEALOGIA
Triste mesmo é ser estrela
viver assim sem nunca apagar
– ainda que eu vá e volte mil vezes
na troca de roupa de carne, de vida –
ela lá, inerte, a brilhar
triste mesmo é ser gente
viver assim até terminar
tão rápido, efêmero, fugaz
nesse sufoco contínuo
contando dinheiros, morrendo em dinheiros
– esquecendo os motivos –
A gente aqui, em apuros
e ela lá, inerte, a brilhar
(no dicionário da estrela
somos apenas voláteis presenças
num rascunho de tempo
qu’inda ousa vingar)
Nic Cardeal
Nic Cardeal é catarinense, graduada em Direito. Desde 2016 trabalha junto à Mahatma Livraria, em Curitiba/PR. Participações: Poesias Mulherio das Letras 2017 e 2018; Prosa Mulherio das Letras 2017 e 2018; Mulherio das Letras pela Paz Alemanha/Brasil; Conexões atlânticas I e II Portugal/Brasil; Um girassol nos teus cabelos,poemas para Marielle Franco; Feminismos, artes e direitos das humanas. Integrante do Mulherio das Letras. Tem textos no Facebook ‘escrevo porque sou rascunho’. Autora de Sede de céu – poemas (Guaratinguetá/SP: Penalux, 2019.


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