Márcia De Conti: Pluma e outros poemas



pluma

poesia é pluma do azul que restou
relíquia. rastro de fé ou ausência
tempo que vem de não sei onde
éden na língua. naco de amor.


noção

eu sou o passado do meu poema
e só digo o que se transforma
num clarão apressado

o resto deposito
em uma pedra de silêncio.




colheita

apanho à noite palavras maduras
e guardo para o poema
que vem com fome
espreitar o que sinto

colho palavras simples
como se eu fosse camponesa
colhendo frutas nativas
que se come aos montes na bacia

pego cada uma e aprecio
encho a boca de saliva
e dou-lhe uma mordida
só pra sentir o ponto

vou alegre e trêmula
como se eu fosse música
sentindo o ar, a estrela, a lua
a noite e eu em um alarido de sintonias
afiando o faro, os poros, a língua.





ensaio

estou à véspera de um poema
mas não sei se ele vem
estou em uma sexta feira sem presságios
em um final de tarde sem esperar ninguém

dentro, uma canção ensaia
arranjos novos de solidão.




o brado

a não ser que a parte bruta rebente
o estrondo estraga o coração

quando a força derruba o medo
ela vem nua e linda
(a palavra banhada de si mesma)

alma entalhada na pronúncia
êxtase da madrugada
ou do dia

alegria, que além do tempo
fica. e além do corpo
que seca
floresce em outras almas.


Márcia De Conti: nasceu em São Luís-Ma, em 27/04/1957, mudou-se aos 7 anos para Goiânia. Morou em São Paulo, onde nasceram seus filhos, Pedro e Davi, retornando à Goiânia, onde nasceu Ana Elisa. É advogada e nutricionista aposentada do Ministério da Saúde. Publicou Luar nos Porões (Piano mudo) em 2011, ganhou, em 2013, o prêmio de poesia Hugo de Carvalho Ramos com Na Fissura do Vestido. Tem poemas publicados em vários blogues, revistas e antologias, entre elas, Sarau da Paulista (2019); As Mulheres Poetas (vol 2, virtual) e Coletânea - Homenagem ao poeta Rubens Jardim. Entre os prêmios estão: Prêmio Nacional de Poesia Cidade Ipatinga (2º lugar em 2007 e 2013); Poemas no Ônibus e no Trem 2007/2009/2011; Prêmio TOC 140 da Fliporto/2013.


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