A janela
Conto de Franccis Yoshi Kawa
Parecia delírio quando disse que estava partindo a procura de um reino para ser o soberano. Tinha feroz determinação de conquistar um reino para poder coroar sua amada, cobrir de ouro e transformá-la em rainha. Era obsessão ou mania de grandeza, ninguém sabia. Certamente era um louco em busca de sucesso e fama. Não queria ser apenas um grão de areia solto no mundo. Partiu para conquistar o mundo sonhado, despedindo-se do amor de sua vida. O tempo passou, talvez demais. Apostava na sorte e a bola de neve rolava montanha abaixo, destruindo tudo pelo caminho em direção à linha de chegada. Parou como toda bola que rola, agiganta, bate e esborracha. Foi adentrando o portal de um castelo para chamar de seu. Finalmente havia conquistado o seu almejado reino.
Foi como acordar de um pesadelo, estava imobilizado em uma cadeira de rodas. Havia retornado de sua louca e trágica aventura. O preço que pagou para obter o que queria foi alto demais. Mas, era tudo o que queria: “Um reino com direito à coroa”. Confinado no seu quarto, olha o mundo através da janela de seu castelo. Acreditava que a riqueza era tudo que importava, mas se enganara. Se pudesse voltar atrás, teria feito diferente. Já era muito tarde para entender que o amor verdadeiro era possível sem ter nada. De repente percebe que tem tudo e ao mesmo tempo nada tem. Coberto de riqueza, olha o mundo através da janela de seu castelo. No auge de sua arrogância, havia desprezado a chance de ser feliz, achando que merecia muito mais. Não queria apenas o amor, mas cobrir de ouro sua amada. Acreditando que só assim o amor seria verdadeiro, pleno, feliz. Se soubesse que ela não queria nada disso. Nem ouro, nem reino, nem coroa. Ela queria apenas o seu amor e cansara de esperar. Se pudesse voltar no tempo olharia para aquele amor simples e singelo sendo atropelado pela avalanche que descia a montanha. Não, ela não morreu atropelada. Cansada de esperar, só o amor havia morrido.
Revoltado com o seu destino, olha a outra janela além do muro e vê alguém que também o observa. Ela se parece com aquela que almejara cobrir de riquezas e transformar em rainha. Parece, mas não é. Está debruçada no parapeito, como se fosse uma princesa prisioneira na torre de um castelo. Ela o vê e sorri retribuindo o aceno. O sorriso dela o faz sonhar novamente. Sonha com ela. Quem sabe ela seja uma princesa prisioneira de um mundo cercada de cuidados.
Arte digital de Isabel Furini |
Ela nunca saberá que por detrás do busto que aparece na moldura da janela, esconde uma cadeira de rodas. Quem ia querer um rei estropiado? No seu sortilégio, o sonho é seu único privilégio. No sorriso de bom dia de toda manhã, um aceno de boa tarde depois e uma boa noite ao anoitecer. Em sua fantasia, ela está pensando nele de manhã, tarde e noite. É seu único sonho possível. Imagina como seria bom se pudesse abraçá-la. O desespero toma conta. Se nunca mais puder voltar a andar, os seus devaneios jamais deixarão de ser apenas um belo sonho.
Aquela ilusão de amor era como um fio invisível que o prendia à vida. Daria tudo para deixar de ser apenas um alguém emoldurado na janela de seu castelo, observando uma bola de neve que rola montanha abaixo. Não quer continuar olhando o mundo sem poder fazer nada. Quer mais, muito mais. Quer transformar o sonho de amor da princesa prisioneira em realidade. Lembra que no passado, quando era jovem, podia correr contra a vento. Era belo e certamente seria amado, mesmo sem ter nada.
No presente não tem mais a juventude, mas um rico castelo abarrotado de tesouros. Lamenta o equívoco de ter acreditado que só a riqueza traria amor e felicidade. Não sabia que podia ser feliz sendo pobre. Somente depois de receber a notícia de que estava condenado a uma cadeira de rodas, admitiu que estava equivocado. Sonha com a princesa, pensa nela toda hora. A cada aceno acompanhado de um sorriso, sua alma se enche de alegria e esperança.
Não tem coragem de revelar que está imobilizado em uma cadeira de rodas. Naquele momento o seu tesouro, sua riqueza não servem para nada. Não podia se revelar por inteiro. Quer reverter a sua história a qualquer custo. Está disposto a se desfazer de seu reino se pudesse voltar no tempo. Não quer mais tanta opulência. Só quer voltar a andar.
Quer girar o mundo ao contrário, trazer a bola de neve rolando de volta ao topo da montanha. Quer desfazer o seu reinado para poder caminhar novamente, libertar seu corpo prisioneiro. Está disposto a tudo por aquela que está debruçada na janela. Quer que ela seja o amor que nunca teve. Quer voltar a ser como antes, quando era possível ser amado, mesmo quando nada tinha.
A princesa prisioneira na torre de seu castelo acena com um sorriso. Ela também sonha com a possibilidade de ser livre e ser amada como nunca foi. Quer também se libertar da moldura da sua janela. Quer ser amada como ela é. A linda princesa também estava presa à uma cadeira de rodas.
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