Sergio Diniz da Costa: Chove chuva, chove sem parar...

 

 

    Final de tarde e o tempo já estava fechado, ameaçando cair outro toró, como já ocorrera no dia anterior. No entanto, sair com guarda-chuva na rua, enquanto ainda não está chovendo, é esquecê-lo no primeiro momento em que ambas as mãos estiverem vazias. Pelo menos para mim!

    Eu estava, portanto, desguardachuvado quando o céu resolveu cair sobre toda a cidade. 

    Relativamente longe do meu carro ─ onde o ‘tal’ se encontrava, ali inútil, tanto quanto uma roupa de mergulho num deserto ─, não me restou alternativa, senão me abrigar embaixo de uma marquise. E, comigo, aos poucos, mais a cidade inteira... E, também aos poucos, as muitas reclamações sobre as chuvas em excesso.

    Sem muitas opções, enquanto esperava o tempo se recompor ─ e as pessoas, também! ─, detive-me a ouvir, discretamente, alguns comentários. Um em especial: um jovem, visivelmente apaixonado, cheio de cuidados com a bela e delicada namorada. Pelo que deu para perceber, logo mais eles iriam a uma grande festa e ela tinha acabado de sair de um salão de beleza, onde passara horas ‘dando um trato’ no cabelo e, em contrapartida, tendo um maltrato nos bolsos.

    Aquela chuva, digna de um novo Dilúvio, por conseguinte, se mostrava o suprassumo, a apoteose de todos os azares.

    Enquanto chovia torrencialmente fora da marquise, sob ela a moça também começou a molhar, agora, os ombros do namorado que, visivelmente aflito, não sabia o que fazer, a fim de mitigar aquele sofrimento feminino.

    Confesso que me compadeci da situação. E, dando asas à imaginação, vi naquele jovem um outro, um carioca de 18 anos, de nome Jorge Duílio Lima Meneses que, naquela situação, apelaria à chuva e a Deus: ‘Chove Chuva/ Chove sem parar.../ Pois eu vou fazer uma prece/ Prá Deus, nosso Senhor/ Prá chuva parar/ De molhar o meu divino amor.../ Que é muito lindo/ É mais que o infinito/ É puro e belo/ Inocente como a flor.../ Por favor, chuva ruim/ Não molhe mais/ O meu amor assim...’

    Infelizmente, porém, sob aquela marquise, não estava ali o nosso querido Jorge Duílio, ou melhor, para o grande público, Jorge Ben (posteriormente, Jorge Bem Jor), um guitarrista, cantor e compositor que, antes de enveredar pela música, queria ser jogador de futebol e chegou a integrar o time infanto-juvenil do Flamengo, mas, em tendo a música no sangue, seguiu a carreira e vem caminhando pelas trilhas do rock and roll, samba, samba rock, bossa nova, jazz, maracatu, funk, ska e até mesmo hip hop, com letras que misturam humor e sátira, além de temas esotéricos e de trazer influências árabes e africanas, oriundas de sua mãe, nascida na Etiópia.

    Sua biografia aponta, ainda, que ele ganhou seu primeiro pandeiro aos treze anos de idade e, dois anos depois, já cantava no coro de igreja. Também participava como tocador de pandeiro em blocos de carnaval. Aos dezoito, ganhou um violão de sua mãe e começou a se apresentar em festas e boates, tocando bossa nova e rock and roll.

    No início dos anos 60 apresentou-se no Beco das Garrafas, que se tornou um dos redutos da bossa nova. Em 1963, ele subiu no palco e cantou ‘Mas que Nada’, uma das canções em língua portuguesa mais executadas nos Estados Unidos até hoje, na versão do pianista brasileiro Sérgio Mendes com o grupo de hip hop norte-americano Black Eyed Peas. 


    Em 1968, foi convidado para o programa Divino, Maravilhoso que Caetano Veloso e Gilberto Gil faziam na Tupi. Participou, também, de O Fino da Bossa (comandado por Elis Regina e Jair Rodrigues) e da Jovem Guarda (de Roberto Carlos). Nessa época, obteve enorme sucesso com ‘Cadê Tereza?’, ‘País Tropical’, ‘Que Pena’ e ‘Que Maravilha’, além de concorrer com ‘Charles, Anjo 45’ no festival Internacional da Canção, da TV Globo, em 1969. Na década de 1970, venceria este festival com ‘Fio Maravilha’, interpretado por Maria Alcina. ‘País Tropical’ também teve êxito, na voz de Wilson Simonal. Ainda nos anos 70, Jorge Ben lançou álbuns mais esotéricos e experimentais, como ‘A Tábua de Esmeralda’ (1974), ‘Solta o Pavão’ (1975) e ‘África Brasil’ (1976). Embora não tenham obtido sucesso comercial, estes álbuns são considerados clássicos da música brasileira.*

    Não, debaixo daquela marquise não estava o inspirado Jorge Ben, mas tão somente um desconsolado jovem apaixonado, para o qual aquela chuva ruim, repentina e solidariamente, deu trégua e, assim como para a namorada, parou de molhar a todos nós.

 * https://pt.wikipedia.org/wiki/Jorge_Ben_Jor >. Acesso em: 10/06/2016 

 

 


 Sergio Diniz da Costa: Natural de Sorocaba (SP), é escritor, poeta, revisor de livros, um dos editores do Jornal Cultural ROL e do Inter-NET Jornal, Acadêmico Benemérito e Efetivo da FEBACLA - Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes, membro Fundador da ALSPA - Academia de Letras de São Pedro da Aldeia e Membro Correspondente da ACL - Academia Caxambuense de Letras. Autor de 7 livros. Jurado de concursos literários. Recebeu as seguintes honrarias: Pelo Supremo Consistório Internacional dos Embaixadores da Paz, o título Embaixador da Paz e Medalha Guardião da Paz e da Justiça; Pela FEBACLA: Medalha Notório Saber Cultural, Medalha Mérito Acadêmico, Comenda Láurea Acadêmica Ouro, Comenda Maria Quitéria Heroína da Pátria e Moção de Honra ao Mérito; a Comenda do Mérito Histórico Dom João VI , Honorável Mestre da Literatura Brasileira, Dr. h.c. em Comunicação Social, Medalha Comemorativa Bicentenário de Nascimento de Anita Garibaldi, Diploma Caneta de Ouro e Prêmio Destaque do Ano 2021; Pelo CSAEFH – Centro Sarmathiano de Altos Estudos Filosóficos e Históricos os Títulos de Dr. h. c. em Literatura, Defensor Perpétuo do Patrimônio e da Memória Histórica de Sorocaba e Benemérito Pesquisador em Artes e Literatura, Comenda Mérito Literário Goncalves Dias e Defensor Perpétuo do Patrimônio Histórico e Cultural Brasileiro; Pela Soberana Ordem da Coroa de Gotland, o título de Cavaleiro Comendador; Pela Real Ordem dos Cavaleiros Sarmathianos, o título de Benfeitor das Ciências, Letras e Artes; Pela OMDDH - Organização Mundial dos Defensores dos Direitos Humanos: Destaque Cultural 2020; Destaque Social 2020; Embaixador da Paz, Paladino dos Direitos Humanos, Dr. h. c. em Direitos Humanos e Dr. h. c. em Comunicação Social e a Comenda Internacional Diplomata Ruy Barbosa 'O Águia de Haia', com o título honorífico de Comendador da Justiça de Paz.

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