Aglaé Gil: Sobre as palavras

 




Algumas palavras que me arranhavam as gavetas da alma, já não disse. Não faziam mais qualquer sentido. A boca parecia costurada com linha colorida, como nas bonecas de pano. E o silêncio tinha um gosto de pão amanhecido e cheiro de café que esfriara na caneca. Entretanto, isso tudo era preferível a usar as palavras guardadas desde um tempo tão remoto que até a memória delas tinha tons sépia. Não que eu tivesse alternativa, já que os ouvidos estavam mais moucos do que sempre e as mentes tão rasas que repetiam atitudes burras travestidas de razão. Não que eu fosse genial, mas bem que sabia sair de labirintos maiores, quando os reconhecia construídos por mãos de papelão e transístores. Algumas palavras eu jamais diria. E o bolor que tais palavras criariam talvez fosse útil nos porões onde, deitados, os vinhos esperam por bocas e festins.

Aglaé Gil é especialista em Língua Portuguesa.



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