Silas Correa Leite: Os Dez Direitos do Leitor-Cobaia

Os Dez Direitos do Leitor-Cobaia
(Apontamentos Para um Esboço de Rascunho Ensaístico)

O homem é o ser pelo qual o nada vem ao mundo (...)” Jean-Paul Sartre
Para Umberto Eco, Nicodemos Sena e Fábio Lucas


01)-“Os honorários e a proibição da impressão são, na verdade, a perdição da literatura. Só produz o que é digno de ser escrito quem escreve unicamente em função do assunto tratado. Seria uma vantagem inestimável se, em todas as áreas da literatura, existissem apenas alguns poucos livros, mas obras excelentes. […]. A condição deplorável da literatura atual (...), tem sua raiz no fato de os livros serem escritos para se ganhar dinheiro. Qualquer um que precise de dinheiro senta-se à escrivaninha e escreve um livro, e o público é tolo o bastante para comprá-lo. A consequência secundária disso é a deterioração da língua.” Schopenhauer
Escrever para este contingente não vale a pena, assim como não vale a pena dar flores para quem está resfriado cheirar. Há momentos em que fico completamente desanimado. Para quem e para que escrevo? Para o público? Mas eu não o vejo e acredito nele(...); não tem instrução, é mal-educado e seus melhores elementos não tem consciência e são hipócritas para conosco. Se sou ou não necessário a um público desses, eu não consigo entender (...). – Nem o diabo consegue entender.” Tchekhov
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01)-Todo leitor tem o direito de deixar de ler um livro maleixo e tantã, quando o tal do bendito livro for muito água com açúcar, uma mixórdia de chorume só, sem estilo e só de estalos, ou, cujo assunto, temática, enfoque, narrativa ou pretensão nunca sejam de assentar conhecimentos deveras edificadores pra patuleia se coçar com garbo ridente, com prazer de ler com qualidade de escrita e devaneio, e sensibilidade criativa, e, principalmente, claro, não ser um livro de alto nível, ou em estilo todo próprio de autor um mero aventureiro na área que escreveu, por não por ter nada o que contar, que importasse ou prestasse de valioso e primoroso rigor, que fosse interessante ou que valesse a pena passar adiante, mas por achar que era, digamos assim, en passant, um escritor de araque; quando apenas era um iniciante se achando, um amador claudicando, e um escrevinhador de simplicidades que não cheiram e nem Freud...
02)-Todo leitor de quilate mais não morde, tem que ser um maldito de um chato de galocha em 3 D, cobrar qualidade portentosa e louca do escritor, insistir na barra braba leitura do chamado livro difícil, procurar erros a torto e direito, sacar eventuais lampejos de lucidez ou de trevas enfermas, curtir júbilos tácitos, captar irrazões cascavéis, errações-adrenalinas; captar narrativas telúricas ou numinosas, e procurar na escrita, não apenas só o mero lado pop chinfrim, ou cult com informatizes, mas o lado terrivelmente humano, demasiado humano (berrar é humano?), da açodada alma humana infestada de dúvidas, porquices, falsas chiquezas, chuleio de rancores, betumes de escuridões – a própria dor de existir (e ter que sobreviver) porque, se precisássemos de livretos de baixo calibre, nem Nietzsche, nem Kafka, nem Dostoievski, e nem mesmo os maiores e melhores e mais loucos – a dor, a dor, a dor – escritores do mundo teriam escritos clássicos com seu próprio sangue, na dúvida, no rancor, no ódio, no medo-rabo; 'limonódoas', alucilâminas, como se coices desestimados nos rasgados parágrafos com estercos empa-lavrados...
03)- Todo leitor sapecado de tanto ler os tais mil melhores livros do mundo de todos os tempos, ou de sua região telúrica, continente ou país, isso só e ainda até o começo da chamada primeira juventude tubaína, tem todo o direito de ler, pesquisar, discordar, criticar o escrito, purgar fermentações, e escrever um seu livro também, tipo aquela frase famosa de plantar um filho, gerar um livro e escrever uma árvore. Assim, afinal, como todo mundo tem direito a ser idiota, todo mundo também tem direito a ser escritor... Mas não é a mesma coisa-radar como querer ser jogador de futebol grosso, ser artista brega, pagodeiro-vômito, e, pior, camaradas, muito pior cara pálida, tipo assim sofrer na pele para escrever ranhuras, rasuras, cortar na carne a palo seco para dizer a que veio o veio da lepra historial, plantar o livro na alma para ver-tê-lo, rascunhar a obra no sangue corrompido, no suor-ritual, e assim, depois de se reescrever por zil vezes, corrigir sempre e sempre e achar que está errado (nunca está perfeito), achar que está fraco (tudo é ego), que está bobo e incompleto-varizes, e perquirir, insistir, como se cavasse um pedaço de vulcão na mente e deixasse verter amarras, neuras, cordões de isolamento, filés de granito, sangrias desatadas, e a sua própria dor de escrever, escreviver, no horror de ter que contar, narrar, como cisco no olho de vidro procurando polvorosa, para saber que a obra, sim, a obraça, vai fazer diferença – indiferente de sucesso e de dar lucro – e vai doer mais em quem ler do que em quem escreveu, porque, hermanos, para nosotros, sorry coxinhas com dialetos e sotaques, livro bom e supimpa é quando o leitor morre no final...
04)-De livro bobo, jeca total, manjado, carrapicho, com egoíscas, comum como raspa dura de espalhafatos, o mundo gororoba já tá de sacro cheio pra chuchu de isopor, milhares, milhões, todos eles dispensáveis e calçando estantes de plástico transgênico e prateleiras babilônicas, e prateleiras e estantes refugando, entre o cupim marmota e as abobrinhas escritas a solo cínico, impressas, editadas, mal corrigidas, mal começo (quem?), mal meio (quando?), mal fim (porquerismo), não necessariamente nessa desordem cagando godê, pés sem cabeças, galinhas sem fé, tipo assim, achismo, mesmice, ora um pseudoescritor, um pseudoprofeta, um pseudodono da verdade, um pseudo pastor de ‘ovelhos negros’, um pseudo filósofo que não tem nada a acrescentar no seu “agon” gabiru, tudo muito tatu misturado cheirando a anta, e nada gerando a nada, porque os maiores e melhores escritores não foram julgados em suas panelas e clubinhos, nem em testes de sofá ou em poses com relinchos a exaustão, mas muito depois de décadas de mortos, refugados, é que o juiz como gangrena morfética, chamado tempo-rei, deu o veredicto dos melhores livros do mundo, de todos os tempos, e quando foram lançados – se foram lançados – não foram compreendidos, nem entendíveis, não significaram muito, mas o tempo deu o quinhão de grandeza devido a cada um, desde Miguel de Cervantes a outros tantos, e, diga-se de passagem, livro bom é quando dói ler, que saímos melhor depois da leitura, não emprestamos pra ninguém (morra mas não empreste livro ótimo), nem aceite de asnonauta, nem de asnoia, um palpite infeliz, queremos ler... e ler... e ler de novo, como se o clássico esculpisse também um luz no fim do túnel na nossa estilingada lâmpada mágica de existir, na resina de sobreviver e de reagir enquanto animais que podem dizer o totem, a tribo, e dizerem que pensam sobre canoas furadas e deleites derramados...
05)-Todo leitor sabe que de livros bonzinhos o inferno de Dante está cheio – e queima-os todos, todos os cancros dias – que livros de colorir é para cérebros barrinhas de cereais, que livros com linguagem pamonha de infantis-chulés é para jacaré voador dormir o chato sono do crepúsculo zumbinado, que livro de pegadinha, de uma forma ou de outra é só mais unzinho, porque, quanta posuda gente jeca lançou livro de supetão, quantos tipos autoridades de antros e embustes lançaram livros como se canivetes cegos ou caibros-machadinhos, quantas personalidades midiáticas em 50 tons de húmus lançaram livro, livrecos, libretos, caraminguás, calhamaços, almanaques, mas, falando sério, cara pálida, o maior e melhor livro que escrevemos são nossos passos sem réguas e com pecados, nossas páginas de rostos sem rímel, nossas vidas sem remos de rumos, nossas paginas abertas de amor ao póstumo turbinando o nó cego, o fútil, o ignóbil e vil, de horror customizando a dor a trancos e barrancos, e de livrecos escritos no apagar da seiva, da chama fálica, nas seitas-circos, saunas-areais, e em recôncavos de escárnios ou de misturanças alhures que não significam nada, são livros de ocasião, pro sujeito rastaquera da mesmice se sentir importante dando chute na sombra, dando autógrafo com paletó e gravata, ou ainda falar que escreveu alguma coisa melhor do que a sua própria vida de simplismos com engodos, e, enfim, parecer que é o que não é, entre achismos, modismos, e o tal desse novo bem bolado neologismo contemporâneo, o “escrevismo”...
06)-Todo leitor sabichão e esturricado de leituras de porte, de prazeiranças letrais e contentezas nas ‘leções’ como oxigênio-ansiolítico, sabe que o maior e melhor de nós já vem marcado desde muito antes de nascer, como diria aquele refrão pérola negra daquele ‘roquerrou’ groselha preta. Ferrados venceremos. Feridos venceremos? Ah a inadaptação entre a cólera criativa e a ração dos arames das palavras. A solidão é a melhor amiga do revólver. Que mutação é a capa e a espada da fantasia-dolé, da imaginação-cocho, do laboratório-coice do homem espumando obras de informatizes e labiriscas, feito egoíscas a pagarem o saldo de neuras de meras lesmas lerdas que são? Escrever é desmanche intimo?
07)-O leitor tem direito a não gostar de abobrinhas água-com-açúcar, até porque, falando sério, Saravá James Joyce, escrever certinho é empilhar cadáveres, o rigor formal dá frio na lombriga, e na leitura de engodar o leitor sub cretino e sem cérebro, pois o certo é desencravar o cérebro do sujeito empatado na leitura, o ácid rock do verbo, o curtume do predicado, e a oração certa como reza braba. Escrever desconcertos é transcriar muito além do prego do faquir, barrar conceitos, forma/atar desespelhos, desabandonos, e quebrar cincerros, berrantes (infovias efêmeras?), mata-burros... A loucura extrapola a linguagem chulé, tira beronhas de esqueletos do armário da chatice-Hipoglós, assenta tijolos de águas paradas, pratica a lavoura arcaica das tentativas, na loucura santa dos lúcidos sem motores de geladeiras para ninar noiteadeiros zen-boêmicos, pois escrever é especular, escrachar, sair perigritante do rigor formol, e cair em bordeis de tentativas de melhorias em formões e fóruns marginais... E depois, tem tanto otário dando certo, com enriquecimento ilícito, improbidade de meio e clã, em desaquecimento moral, por uma morbidez de pose e consumo, que dá pra pensar que o talento é filho da puta, o dom mesmo é filho bastardo do tempo, da loucura, não da fama, ou da vaidade-catamarã, e depois, disse Bernardo Soares (Fernando Pessoa): Toda vitória é uma grosseria...
08)-Leitor parente cobaia não vale. Nem com um salve geral por atacado e nas arredondezas. Nem no selfie service. Nem leitor coleguinha de embuste, dizendo loas e geleias gerais. Nem amigo de amigos do alheio. Nem tem preço barato um escritor que preste. Escritor que presta morre sem saber o que é, pensa ao contrário, levanta, sacode a poeira e não sai da cisma-pangaré do pesadelo-talismã. Escrever é per-ver-ter-se. Afiou-se? Ler é ser pensador, sentidor, palavrador, entrar de mala e cuia na alma do criador que não tem alma, ou não seria criador, e tentar compreender a tal faca cega que é a aventura tenebrosa de sub/viver existindo... Sem cérebros? Subcretinos?. Escrever é assistir óbitos. Precisamos uns de outros para de alguma forma nos devorarmos no consumismo de best-sellers como pacotes de consumismos regrados? Um ótimo livro é escrito em décadas, pensado antes, fornicado depois, e, criado/parido/enlivrado; Santo Daime, devora o criador... Aleluia Brecht, Maiakovski, Dostoievski, Tolstói, Shakespeare, Umberto Eco...
09)-O artista é o pior animal enjaulado que tem. Sai de baixo. Tem cabimento? O ralo? Pergunte ao pó póstumo... Será o impossível? Onde já civil? O pós-Darwin lê quando está no banheiro, para não se esquecer que é um animal. O puta escritor, bota a alma pra fora quando se lavra nas palavras. É o ego coagulando histerias de esquizofrêmitos e esquizocênicos implicadores de per/curso sobrevivencial?
10)-Todo livro é uma microbabel materializada pra consumo, customizada, passado a ferro e fogo fátuo, feito um pen-drive clonado. Dormindo, treinamos a morte. Criando, tentamos a imortalidade pós-tudo?. A paga da saga. Escrevendo deixamos um rastro como uma lesma-lacta-láctea carregando seu próprio precipício às costas. Escrevo, escrevo, escrevo. Escravo? Não há brancas nuvens (brumas elípticas), almas gêmeas (algemas), mas solos de incompletudes, inconformidades. O mal da terra. O caos educa? O certinho contamina? E o falso, o engodo, o arranjo? O leitor sabe que mentimos. O leitor entra em nossa mentira de mão beijada. Se se identifica, é do mesmo clube de nossas mentiras impressas. Sentir é o melhor energético? O leitor gostando de sua mentira-rivotril, não pela verossimilhança, mas pelo caos do absurdo que o corrói, o nutre, na burreza pegajenta, feito ócio duro de ruir, e quebra-se de encanto e acha gênio o que se vendeu por 30 moedas podres de papel... e quando se vê, o livro maioral é um pacote, é uma patacoada, uma cilada de sílabas lacrimejantes, uma ‘almanada’, uma carranca com glitter, um preço que pagamos penico para escrevermos e sairmos ilesos de tanto, fé na tábua. Stop! Best-sellers? Esqueça. Não há gênios, há germes. Não há consolação, há vermes com o lado b enlivrado. Não existe paz no livraço. É tudo um catatau de miserês, cem anos de solidão, perdas e pedras nos caminhos, honras de ódios masturbatórios feito filosofias fecais, e escrever nos devolve ao nosso próprio controle remoto, e, ainda, quando no frisson do final feliz, estamos no piloto automático, nem sabemos mais o que fizemos de nós, e a que preço de banana e viral portabilidade estéril nos vendemos, com nossas patacoadas, carcaças, carroças, venenos, bananas, alquimia-camaleônica, porque é assim que funciona o lume neutro, a treva branca, é assim mesmo que é: um livro vale milhões de leitores. Mas um escritor não vale as palavras que somem do teclado, por isso, nem Word salva, e é morrendo que sacamos que o buraco é mais embaixo. Quando matamos o personagem é um suicídio conspurcado, morremos ali. Quando revelamos o cadáver da autópsia final, é nosso inferno infinito e particular dizendo sim ao sim, e nunca não ao não.
Nas bibliotecas dos limbos estão os cadáveres dos que sangraram até se assinarem existindo, sabendo do DNA-Darwin Não Abandona. Putas grávidas primeiro. As vísceras e os gomos dos cérebros-jeremias peguem senha. Ah a arte canibal que nos enreda!
-0-Silas Corrêa Leite (Da Série “Chorando Sobre Deleite Derramado”)

Autor de GOTO, A Lenda do Reino do Barqueiro Noturno, do Rio Itararé, Editora Clube de Autores, e de GUTE-GUTE-Barriga Experimental de Repertório, Romance, Editora Autografia, no Prelo.

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