Esta semana tive a honra de ser convidado para proferir algumas palestras sobre estética e crítica literária em Santa Catarina. Há muitos professores catarinenses preocupados em orientar o olhar crítico e estético de seus alunos durante as aulas de Literatura.
Os professores estão certos. Muito certos. Educar o olhar para a leitura de textos literários é um fator primordial para a formação de leitores críticos. As equipes eram muito boas, formadas por professores notadamente competentes e comprometidos com seu papel de educadores. Eles já acordaram para o fato de que ensinar a ler não é meramente mandar ler, mas orientar o ato da leitura.
Um destes professores me trouxe um poema escrito por uma aluna sua que cursava o nono ano do Ensino Fundamental. Não o posto aqui, pois não tenho autorização para tal, em se tratando de uma menor de idade, mas qual não foi a minha surpresa ao me deparar com um belo exercício poético?
Tão logo o li, perguntei ao professor quais os autores que ele apresentava aos seus alunos, pois o poema era de uma construção tão admirável e contrastava tanto com a letrinha tão pueril com a qual fora construído que não me furtei à pergunta. A lista apresentada pelo professor ia de Shakespeare a Leminski e isso em um nono ano!
O poema não era um acróstico como seria de se esperar ou desesperar, não rimava “natureza” com “beleza”, muito menos “amor” com “dor”. Também não era temático, o que geralmente gera aberração, pois amarra todo o processo criativo a um tema quase sempre temerário. Outro fato notável: o poema não era um desabafo histérico ou sentimentaloide de quinta categoria. Dava para notar que a garotinha sabia o que estava fazendo, pois já havia lido uma boa quantidade de poemas de QUALIDADE. Cumprimentei o professor pelo belo trabalho que ele estava desenvolvendo e pelo maravilhoso exemplo que serviu de ilustração para a minha fala.
De volta a Curitiba, ligo minha antena para me inteirar do que estava acontecendo na terra dos pinheirais e me deparo com um livro de poemas recém lançado. Senti saudades do poema da garotinha do nono ano... Neste livro que li havia poemas pueris, aplaudidos por uma claque mais pueril ainda... De um lado, rimas desgastadas e óbvias, de outro lado um desabafo que mais caberia a um divã que a um verso. Tudo em nome da dita (dura) cultura popular. Não sou adepto da filosofia de que a cultura popular precisa ser medíocre. Acredito que a cultura popular precisa ser elevada para que o povo se eleve. Isto é evolução. Não mencionarei o título do livro, se é que se pode chamar aquilo de título, para me livrar de aborrecimentos. Já basta o aborrecimento que tive ao lê-lo.
É claro que em Curitiba há lançamentos recentes incrivelmente bons e que mereciam maior destaque. Mereceriam um espaço especial de divulgação. Estou em meio à leitura de um deles e estou impressionado. Em minha opinião, ou Curitiba aproveita sua vocação nata para a poesia e passa a formar leitores críticos de poemas ou todos aplaudiremos a mediocridade. Os grandes autores curitibanos, que são vários, deveriam ter mais espaço para mostrar o que fazem e debater o “como se faz” e, é claro, deveriam ser bem remunerados para isso. Curitiba deveria ter uma verba específica para a formação de leitores críticos de poesia. Uma cidade como Curitiba não pode deixar a formação de leitores críticos em Literatura nas mãos de amadores. Motivação sem teoria é mera alegoria.
Acorde, Paraná! Santa Catarina já está do outro lado da margem! E isso pode ser notado até na margem de uma folha de caderno de uma garotinha de 14 anos, trilhada por uma letrinha infantil.
Deixo a seguir algumas sugestões que lapidei para quem gostou do meu texto, se enamorou de minha luta e quiser se aprofundar. Para quem não gostou do meu texto e achou pífio o meu clamor, as mesmas referências valem para que comecem a entender sobre o que eu estou falando.
Referências
BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. Trad. Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1992.
BOURNEF, Roland & OUELLET, Réal. O Universo do romance. Trad. José Carlos Seabra Pereira. Coimbra: Almedina, 1976.
CULLER, Jonathan. Teoria Literária: uma introdução. Trad. Sandra Guardini Vasconcelos. São Paulo: Beca, 1999.
EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. Trad. Waltensir Dutra. São Paulo: Martins Fontes, s.d.
GROSSMANN, Judith. Temas de Teoria da Literatura. São Paulo: Ática, 1982.
REIS, Carlos & LOPES, Ana Cristina M. Dicionário de Teoria da Narrativa. São Paulo: Ática, 1988.
SAMUEL, Rogel. Manual de Teoria Literária. (Org.) Petrópolis: Vozes, 1985.
SARTRE, Jean-Paul. Que é a Literatura? Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática, 1989.
SILVA, Victor Manuel de Aguiar e. Teoria da Literatura. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1979.
__________. Teoria da Literatura. 8ª ed. Coimbra: Almedina, 1991.
SOUZA, Roberto Acízelo de. Formação da Teoria da Literatura. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico; Niterói: EDUFF, 1987.
___________. Teoria da Literatura. São Paulo: Ática, 1986.
TOLEDO, Dionísio de Oliveira. (Org.) Teoria da Literatura: Formalistas Russos. Trad. Ana Mariza Ribeiro Filipouski et al. Trad. Porto Alegre: A ascensão do romance. lobo, 1976.
WELLEK, René & WARREN, Austin. Teoria da Literatura. Trad. José Palla e Carmo. Lisboa: Europa-América, s.d.Janeiro: DIFEL, 2002.
O Professor Robson Lima é curitibano, professor de Língua Portuguesa, Literatura, Leitura de Múltiplas Linguagens e um estudioso da poesia paranaense. Autor de livros didáticos, também é Crítico Literário, Consultor Educacional e Assessor Pedagógico nas áreas de Linguagens e Comunicação, ministrando palestras em todo o território nacional. Poeta, músico, declamador, ator e transador de palavras, Robson Lima é um amante dos versos, artes e artemanhas. Autor dos livros Wintervalo (poesia) e Leitura em Movimento: da letra ao letramento. (livro que versa a respeito do aprofundamento da leitura).
Os professores estão certos. Muito certos. Educar o olhar para a leitura de textos literários é um fator primordial para a formação de leitores críticos. As equipes eram muito boas, formadas por professores notadamente competentes e comprometidos com seu papel de educadores. Eles já acordaram para o fato de que ensinar a ler não é meramente mandar ler, mas orientar o ato da leitura.
Um destes professores me trouxe um poema escrito por uma aluna sua que cursava o nono ano do Ensino Fundamental. Não o posto aqui, pois não tenho autorização para tal, em se tratando de uma menor de idade, mas qual não foi a minha surpresa ao me deparar com um belo exercício poético?
Tão logo o li, perguntei ao professor quais os autores que ele apresentava aos seus alunos, pois o poema era de uma construção tão admirável e contrastava tanto com a letrinha tão pueril com a qual fora construído que não me furtei à pergunta. A lista apresentada pelo professor ia de Shakespeare a Leminski e isso em um nono ano!
O poema não era um acróstico como seria de se esperar ou desesperar, não rimava “natureza” com “beleza”, muito menos “amor” com “dor”. Também não era temático, o que geralmente gera aberração, pois amarra todo o processo criativo a um tema quase sempre temerário. Outro fato notável: o poema não era um desabafo histérico ou sentimentaloide de quinta categoria. Dava para notar que a garotinha sabia o que estava fazendo, pois já havia lido uma boa quantidade de poemas de QUALIDADE. Cumprimentei o professor pelo belo trabalho que ele estava desenvolvendo e pelo maravilhoso exemplo que serviu de ilustração para a minha fala.
De volta a Curitiba, ligo minha antena para me inteirar do que estava acontecendo na terra dos pinheirais e me deparo com um livro de poemas recém lançado. Senti saudades do poema da garotinha do nono ano... Neste livro que li havia poemas pueris, aplaudidos por uma claque mais pueril ainda... De um lado, rimas desgastadas e óbvias, de outro lado um desabafo que mais caberia a um divã que a um verso. Tudo em nome da dita (dura) cultura popular. Não sou adepto da filosofia de que a cultura popular precisa ser medíocre. Acredito que a cultura popular precisa ser elevada para que o povo se eleve. Isto é evolução. Não mencionarei o título do livro, se é que se pode chamar aquilo de título, para me livrar de aborrecimentos. Já basta o aborrecimento que tive ao lê-lo.
É claro que em Curitiba há lançamentos recentes incrivelmente bons e que mereciam maior destaque. Mereceriam um espaço especial de divulgação. Estou em meio à leitura de um deles e estou impressionado. Em minha opinião, ou Curitiba aproveita sua vocação nata para a poesia e passa a formar leitores críticos de poemas ou todos aplaudiremos a mediocridade. Os grandes autores curitibanos, que são vários, deveriam ter mais espaço para mostrar o que fazem e debater o “como se faz” e, é claro, deveriam ser bem remunerados para isso. Curitiba deveria ter uma verba específica para a formação de leitores críticos de poesia. Uma cidade como Curitiba não pode deixar a formação de leitores críticos em Literatura nas mãos de amadores. Motivação sem teoria é mera alegoria.
Acorde, Paraná! Santa Catarina já está do outro lado da margem! E isso pode ser notado até na margem de uma folha de caderno de uma garotinha de 14 anos, trilhada por uma letrinha infantil.
Deixo a seguir algumas sugestões que lapidei para quem gostou do meu texto, se enamorou de minha luta e quiser se aprofundar. Para quem não gostou do meu texto e achou pífio o meu clamor, as mesmas referências valem para que comecem a entender sobre o que eu estou falando.
Referências
BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. Trad. Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 1992.
BOURNEF, Roland & OUELLET, Réal. O Universo do romance. Trad. José Carlos Seabra Pereira. Coimbra: Almedina, 1976.
CULLER, Jonathan. Teoria Literária: uma introdução. Trad. Sandra Guardini Vasconcelos. São Paulo: Beca, 1999.
EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. Trad. Waltensir Dutra. São Paulo: Martins Fontes, s.d.
GROSSMANN, Judith. Temas de Teoria da Literatura. São Paulo: Ática, 1982.
REIS, Carlos & LOPES, Ana Cristina M. Dicionário de Teoria da Narrativa. São Paulo: Ática, 1988.
SAMUEL, Rogel. Manual de Teoria Literária. (Org.) Petrópolis: Vozes, 1985.
SARTRE, Jean-Paul. Que é a Literatura? Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Ática, 1989.
SILVA, Victor Manuel de Aguiar e. Teoria da Literatura. 3ª ed. Coimbra: Almedina, 1979.
__________. Teoria da Literatura. 8ª ed. Coimbra: Almedina, 1991.
SOUZA, Roberto Acízelo de. Formação da Teoria da Literatura. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico; Niterói: EDUFF, 1987.
___________. Teoria da Literatura. São Paulo: Ática, 1986.
TOLEDO, Dionísio de Oliveira. (Org.) Teoria da Literatura: Formalistas Russos. Trad. Ana Mariza Ribeiro Filipouski et al. Trad. Porto Alegre: A ascensão do romance. lobo, 1976.
WELLEK, René & WARREN, Austin. Teoria da Literatura. Trad. José Palla e Carmo. Lisboa: Europa-América, s.d.Janeiro: DIFEL, 2002.
O Professor Robson Lima é curitibano, professor de Língua Portuguesa, Literatura, Leitura de Múltiplas Linguagens e um estudioso da poesia paranaense. Autor de livros didáticos, também é Crítico Literário, Consultor Educacional e Assessor Pedagógico nas áreas de Linguagens e Comunicação, ministrando palestras em todo o território nacional. Poeta, músico, declamador, ator e transador de palavras, Robson Lima é um amante dos versos, artes e artemanhas. Autor dos livros Wintervalo (poesia) e Leitura em Movimento: da letra ao letramento. (livro que versa a respeito do aprofundamento da leitura).
Adorei! Mesmo não sendo da aérea aprendo sempre com suas postagens. Uma melhor que a outra!! Parabéns.
ResponderExcluirMagnífico! Disse exatamente tudo o que penso.
ResponderExcluirMas professor, o interessante não seria participar e promover a literatura?
ResponderExcluirMas onde seriam estas aulas de estética? Nas escolas ou em eventos culturais?
ResponderExcluirRafael Silva
Acho que o professor poderia citar o título dos livros para que possamos saber e compartilhar.
ResponderExcluirAdélia Varela (SP)
Curitiba esta sedenta de propostas inovadoras como as tuas, professor!
ResponderExcluirLeticia Franzoi
Brilhante Robson Lima... Mais um estipendo artigo!
ResponderExcluirAdorei!!!
Rafaela Santana
Robson, você arrasa!!!
ResponderExcluirLines Santana
Concordo com tudo, sem ressalvas. Hoje a cena nacional vive um oba-oba hediondo, basta o lápis cair de ponta num pedaço de papel e é considerado POESIA, façam-me o favor!!!! Temos grandes poetas em nosso país e acredito que os nossos bons poetas são bem críticos do seu próprio trabalho.Em Brasília cito o trabalho do magnífico Nicolas Behr. Não há como mensurar algo sem ter algo com oque comparar, o professor Robson Lima está desenvolvendo um maravilhoso trabalho incentivando a imersão na poesia de qualidade e não há poesia de qualidade sem uma critica séria e de qualidade. Este rapaz está poupando muito trabalho para aqueles que não tem um julgamento sobre o seu próprio trabalho. Vocês não precisam passar por todo o processo empírico até construir algo que de fato tenha qualidade, basta utilizar a régua deste tão dedicado professor e crítico que faz um trabalho maravilhoso em poesia e literatura.
ResponderExcluirAdolfo C. Souza
Brasília - DF
Olá, professor Robson.
ResponderExcluirAdorei o texto. Você foi direto, franco e teoricamente irretocável!
Quando que volta a Aracaju? As escolas querem muito sua visita, viu.
Beijo.
Silmara Valeriano SE - Aracaju.
Olá, Robson! É sempre um prazer ler seus escritos. Fico feliz com as descobertas que faço quando ouço a sua voz.
ResponderExcluirParabéns
Rosemara
Grande professor Robson!
ResponderExcluirExcelente ideia da aula de estética. Bem que você poderia vir até nossa escola para implantar esta disciplina, né...
Um grande abraço, mestre!
Professor Fernando SESI - Vitória