NEUROMARKETING: MANIPULAÇÃO DAS EMOÇÕES MAGNETIZA CONSUMIDORES INCAUTOS
1 INTRODUÇÃO
Emoção e razão nem sempre andam juntas no atraente mercado globalizado do século XXI, marcado por intensos apelos midiáticos, que ultrapassam fronteiras. Movidos pela emoção, aliada à facilidade de comunicação, os fascinados consumidores olham com desejo e ansiedade os bens e serviços postos à sua disposição em vitrinas virtuais ou físicas.ii Oceanos não mais representam barreiras, porque as distâncias desapareceram a um toque da tela do smarthphone ou do teclado do computador. Apenas segundos ou minutos separam os consumidores dos seus “objetos de desejo”, escravizando-os em dívidas que se prolongam e podem se tornar impagáveis com o tempo.
Incentivados pela moda, pela tecnologia, pela conquista de status ou pela aceitação dos “amigos virtuais”, pessoas se endividam cada vez mais, em muitos dos casos sem o conhecimento dos seus responsáveis, como no caso de adolescentes e jovens. Ao final, seus responsáveis ainda terão de suportar credores enfurecidos e cobranças inesperadas.
Muitos indivíduos, descontrolados em suas aquisições, tornam-se consumidores compulsivos (oniomania)iii, desenvolvendo o transtorno psicológico de acumulação de objetos em suas residências (acumuladores); causando o afastamento de amigos e parentes e aprisionando-se em sua própria casa.
O desperdício é visível no ambiente natural, representado pelos dejetos lançados em jardins públicos, calçadas, nascente de rios, por sua vez causadores de grandes alagamentos, ao entulharem bocas de lobo, ruas, canais, esgotos etc. Sem dúvida, que um problema aparentemente de ordem individual, o consumismo, tem se tornado grave desafio à sustentabilidade ambiental.
De alguma forma, o mercado globalizado deve trabalhar com aspectos relevantes do consumo consciente e solidário pela educação do modo de ser de uma sociedade que pretende ser justa. As emoções e sentimentos armazenados na memória dos consumidores devem ser direcionados para novos caminhos, em que haja autonomia e, ao mesmo tempo, comprometimento individual com a Natureza e a Sociedade.
A presença no ODS 12, ou seja, Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ONU, Agenda 2030) da necessidade de todos os países signatários do Pacto Global se mobilizarem para “Assegurar padrões de consumo e produção sustentáveis” até 2030, é uma evidência da gravidade do consumo desordenado, compulsivo e inconsciente, que se processa nos dias atuais.iv
2 NEUROMARTING E FORMULAÇÕES MIDIÁTICAS
A cultura popular é rica em contribuições à compreensão dos sentimentos, emoções e registros da memória. Ao se repetir com frequência, por exemplo: “Nem tudo que reluz é ouro”, “Quem vê cara não vê coração” ou “Quem conta um conto aumenta um ponto”, dentre outros adágios, observa-se que o engano, consciente ou não, é subjacente à natureza humana. Portanto, igualmente, se diz “Todo cuidado é pouco”, advertindo que as manipulações, as distorções e desvios das condutas humanas são tão comuns que se deve agir com prudência sempre e com uma dose de desconfiança.
No mercado, as técnicas de aproximação, conquista e encantamento dos consumidores trabalham, justamente, com as emoções, sentimentos, lembranças, desejos, expectativas, e demais características individuais e coletivas dos alvos-consumidores distraídos. As identidades pessoais, como o pertencimento a uma faixa etária, classe social ou econômica, crenças religiosas, nível intelectual etc são peças - chave no direcionamento da publicidade e da propaganda de serviços, utilidades e de ideias.
O mercado constrói, destrói e reconstrói imagens de acordo com as conveniências e interesses predominantes em cada época, exercendo forte influência nas relações de consumo:
"O que ocorre nesta sociedade tecnocêntrica é que as pessoas já não formam ideias sobre seu meio, seu país, sua sociedade a partir de impressões pessoais ou de relatos vindos dos mais velhos, ou seja, da transmissão direta, mas sim a partir das cenas transmitidas pelos meios de comunicação."v
As diferentes formulações midiáticas são cada vez mais manipuladoras da realidade, de modo a se poder distinguir, com um olhar mais demorado e crítico, as reconstruções da realidade virtual e suas releituras verdadeiras ou não, como se costuma afirmar: “O que vale não é o fato, mas a versão do fato”:
"Na sociedade tecnocêntrica os meios de comunicação ocupam o papel central na vida das pessoas. Eles reestruturam toda a sociedade assim como fazem com que a economia, a política, a cultura, a religião, o lazer, o esporte reorganizem-se agora em função de sua veiculação na comunicação. A marca desta era é que as coisas não valem pelo que elas são, elas só valem se forem comunicadas, divulgadas pelo sistema de comunicação, se mediadas por esse processo."vi
De tal forma a veiculação midiática intensifica a divulgação dos eventos mais comuns do cotidiano das pessoas, que não se pode mais garantir se são verdadeiros ou se foram manipulados. Diversão e informação se mesclam a ponto de não poderem mais se dissociarem, deturpando em muitos casos as reais necessidades de seu conhecimento público.
Dentre os efeitos prejudiciais do neuromarketing estão a ocultação de informações ou a abusividade delas, o que ocorre quando são divulgados, por exemplo, aspectos positivos de produtos e serviços pela publicidade, sem menção a possíveis danos à saúde, à segurança, ao ambiente, aos animais domésticos etc.
Deve-se destacar, também, a criação de necessidades inexistentes, supérfluas, a serem supridas por novos equipamentos e acessórios, apresentados como facilitadores ou conferirem status a quem os adquire, como artigos da moda, importados etc.
O intenso apelo à estética corporal se dá, também, pela propaganda de resultados mirabolantes, gerados pela ingestão de suplementos alimentares, ou pelo uso de equipamentos para exercícios etc. São focados em aspectos como a sedução, a conquista, a beleza, a saúde, as paixões etc, banalizando os mais significativos sentimentos, expectativas e emoções do ser humano.
Possuem efeitos invasivos do ser humano, da intimidade das pessoas e de sua privacidade doméstica, profissional, individual; tornando-as, com o passar do tempo, acríticas em relação às próprias necessidades e de sua família:
"A intimidade tem que ver com o sentimento das pessoas, a respeito das questões que elas não se incomodam de participar aos outros e daquelas outras que preferem manter sob certa reserva. Esse sentimento, evidentemente, varia de pessoa para pessoa e é também diferenciado em cada cultura, em cada época e nos diferentes lugares. Está, ainda, em constante mutação no tempo e no espaço."vii
Quanto à privacidade envolve aspectos pertinentes à individualidade, ao que é particular e que não precisa se tornar público, abrangendo o ambiente profissional, doméstico, os negócios, questões de família etc.
Em razão da amplitude dos significados, que a doutrina jurídica oferece, observa-se que a intimidade envolve diretamente a subjetividade (“o âmago do ser do indivíduo”), o que é reservado, exclusivo, secreto e não revelado ou revelado a poucos.viii
Procurando distinções pela comparação, a privacidade é o gênero e a intimidade é a espécie, a primeira possui natureza mais objetiva (foro exterior) e a outra subjetiva (foro interior), embora se referenciem na pessoa.
Reportando-se à doutrina estrangeira Elimar Szaniawski refere-se à diversidade de conceituações, que se incluem, genericamente dentro da expressão “direito à vida privada", abrangendo os aspectos precitados, dentre outros.ix
Cabe, também, ressaltar que no contexto mercadológico em que se desenrolam os conflitos analisados, estão presentes direitos e princípios constitucionais, sobremodo importantes, dentre os quais: liberdade de expressão (art. 5º, IV); informação (art. 5º, XIV), além da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art. 5º, X).x
Somados aos princípios e garantias constitucionais, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n.8.078/1990)xi estabelece, expressamente, como direito básico do consumidor, dentre outros, a proteção contra a “publicidade enganosa e abusiva” (art 6º, IV); impondo que a informação deve ser “adequada” e “clara” (art. 6º, III).xii
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A relevância das questões levantadas não se limita à simplicidade de sua abordagem neste texto. Reflexos continuamente presentes na vida privada das pessoas, em diferentes estágios e condições econômico-financeiras, são conhecidos, como o crescente endividamento, sobretudo, em momentos de crise.
Crianças são atraídas pelo magnetismo das imagens dos brinquedos, desenhos animados e alimentos; jovens são cativados por marcas famosas, por objetos da moda (grifes) que lhe possam conferir status, aceitação, mais destaque etc. Adultos (homens) são fascinados por carros, veículos potentes e postos de comando relacionados a bebidas, relógios, roupas etc. Mulheres, em especial, são compelidas à aquisição de produtos de beleza, móveis, jóias e demais bens que lhes possam agregar maior atrativo físico ou profissional.
A publicidade, desta forma, ainda que formalmente adequada, usa o universo complexo das emoções, compelindo a grande massa e os incautos compradores à compra por impulso; em que a razoabilidade quase nunca acompanha as decisões tomadas.
De alguma forma, um percentual da violência urbana é, em grande parte, reflexo do consumo inconsequente, em que os valores materiais inspiram atos de agressão à vida e à propriedade, tendo como pano de fundo a cobiça pelos bens alheios (assaltos, furtos, invasões).
Aos olhos de uma sociedade direcionada ao hiperconsumo se dá maior importância aos bens e valores voláteis, temporários e descartáveis, do que ao ser humano, digno e eterno em sua essencialidade.
Por detrás das manipulações midiáticas estão subliminares ideias expressas em inocentes imagens (direcionadas a crianças); bem sucedidas e eróticas (homens e mulheres adultos) em que as emoções e sentimentos são instrumentos úteis ao intenso comércio que se esconde nos bastidores.
Ostentação, poder e riqueza invadem altos postos do governo, motivados pela cobiça desordenada de políticos, empresários e agentes púbicos, revelada no consumo compulsivo de bens e serviços, em detrimento dos cofres públicos (corrupção).
Emoções, sentimentos, imagens distorcidas na mídia social, desejo de poder e fama magnetizam e destroem os incautos consumidores, endividados, verdadeiramente acorrentados pela acumulação de produtos que não conseguem usar e serviços que não atendem a seus interesses.
*1 Advogada. Mestre em Direito Público pela UFPR. Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR. Professora titular de Teoria do Direito do UNICURITIBA. Professora Emérita do Centro Universitário Curitiba, conforme título conferido pela Instituição em 21/04/2010. Orientadora do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética – Jus Vitae, do UNICURITIBA, desde 2001. Professora adjunta IV, aposentada, da UFPR. Membro da Sociedade Brasileira de Bioética – Brasília. Membro do Colegiado do Movimento Nós Podemos Paraná (ONU, ODM). Membro do IAP – Instituto dos Advogados do Paraná. Premiações: Prêmio Augusto Montenegro (OAB, Pará, 1976-1º lugar); Prêmio Ministério da Educação e Cultura, 1977 – 3º lugar); Pergaminho de Ouro do Paraná (Jornal do Estado, 1997, 1º lugar). Troféu Carlos Zemek, 2016: Destaque Poético.
2 COLUCCI, Maria da Glória. Moldura socioeconômica da prática do vitrinismo no direito brasileiro. Curitiba: Estudos em Homenagem a Ezequias Losso, Instituto Memória, 2016.
3 BRASIL, Conselho Federal de Psicologia disponível em site.cfp.org.br
4 ONU, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), disponível em www.nacoesunidas.org
5 MARCONDES FILHO, Ciro. Sociedade tecnológica. São Paulo: Scpione, 1994, p.42
6 Id, p.64.
7 SILVA, Edson Ferreira. Direito à intimidade: de acordo com a doutrina, o direito comparado e a Constituição de 1988. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p.38.
8 TOMIZAWA, Guilherme. A invasão de privacidade através da internet. Curitiba:JM Livraria Jurídica, 2008, p.63.
9 SZANIAWSKI; Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. 2 ed. São Paulo: Rev. dos Tribunais, 2005, p.293.
10 BRASIL, Constituição da República Federativa do. 1988, disponível em www.planalto.gov.br
11 BRASIL, Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, disponível em www.planalto.gov.br
12 BRASIL, Constituição da República Federativa do. 1988, disponível em www.planalto.gov.br em loc.cit
Maria da Glória Colucci *1
Emoção e razão nem sempre andam juntas no atraente mercado globalizado do século XXI, marcado por intensos apelos midiáticos, que ultrapassam fronteiras. Movidos pela emoção, aliada à facilidade de comunicação, os fascinados consumidores olham com desejo e ansiedade os bens e serviços postos à sua disposição em vitrinas virtuais ou físicas.ii Oceanos não mais representam barreiras, porque as distâncias desapareceram a um toque da tela do smarthphone ou do teclado do computador. Apenas segundos ou minutos separam os consumidores dos seus “objetos de desejo”, escravizando-os em dívidas que se prolongam e podem se tornar impagáveis com o tempo.
Incentivados pela moda, pela tecnologia, pela conquista de status ou pela aceitação dos “amigos virtuais”, pessoas se endividam cada vez mais, em muitos dos casos sem o conhecimento dos seus responsáveis, como no caso de adolescentes e jovens. Ao final, seus responsáveis ainda terão de suportar credores enfurecidos e cobranças inesperadas.
Muitos indivíduos, descontrolados em suas aquisições, tornam-se consumidores compulsivos (oniomania)iii, desenvolvendo o transtorno psicológico de acumulação de objetos em suas residências (acumuladores); causando o afastamento de amigos e parentes e aprisionando-se em sua própria casa.
O desperdício é visível no ambiente natural, representado pelos dejetos lançados em jardins públicos, calçadas, nascente de rios, por sua vez causadores de grandes alagamentos, ao entulharem bocas de lobo, ruas, canais, esgotos etc. Sem dúvida, que um problema aparentemente de ordem individual, o consumismo, tem se tornado grave desafio à sustentabilidade ambiental.
De alguma forma, o mercado globalizado deve trabalhar com aspectos relevantes do consumo consciente e solidário pela educação do modo de ser de uma sociedade que pretende ser justa. As emoções e sentimentos armazenados na memória dos consumidores devem ser direcionados para novos caminhos, em que haja autonomia e, ao mesmo tempo, comprometimento individual com a Natureza e a Sociedade.
A presença no ODS 12, ou seja, Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ONU, Agenda 2030) da necessidade de todos os países signatários do Pacto Global se mobilizarem para “Assegurar padrões de consumo e produção sustentáveis” até 2030, é uma evidência da gravidade do consumo desordenado, compulsivo e inconsciente, que se processa nos dias atuais.iv
Fotografia de Isabel Furini - Escultura de Crista Ames que fez parte de exposição do Kirkland Arts Center (Estados Unidos) |
2 NEUROMARTING E FORMULAÇÕES MIDIÁTICAS
A cultura popular é rica em contribuições à compreensão dos sentimentos, emoções e registros da memória. Ao se repetir com frequência, por exemplo: “Nem tudo que reluz é ouro”, “Quem vê cara não vê coração” ou “Quem conta um conto aumenta um ponto”, dentre outros adágios, observa-se que o engano, consciente ou não, é subjacente à natureza humana. Portanto, igualmente, se diz “Todo cuidado é pouco”, advertindo que as manipulações, as distorções e desvios das condutas humanas são tão comuns que se deve agir com prudência sempre e com uma dose de desconfiança.
No mercado, as técnicas de aproximação, conquista e encantamento dos consumidores trabalham, justamente, com as emoções, sentimentos, lembranças, desejos, expectativas, e demais características individuais e coletivas dos alvos-consumidores distraídos. As identidades pessoais, como o pertencimento a uma faixa etária, classe social ou econômica, crenças religiosas, nível intelectual etc são peças - chave no direcionamento da publicidade e da propaganda de serviços, utilidades e de ideias.
O mercado constrói, destrói e reconstrói imagens de acordo com as conveniências e interesses predominantes em cada época, exercendo forte influência nas relações de consumo:
"O que ocorre nesta sociedade tecnocêntrica é que as pessoas já não formam ideias sobre seu meio, seu país, sua sociedade a partir de impressões pessoais ou de relatos vindos dos mais velhos, ou seja, da transmissão direta, mas sim a partir das cenas transmitidas pelos meios de comunicação."v
As diferentes formulações midiáticas são cada vez mais manipuladoras da realidade, de modo a se poder distinguir, com um olhar mais demorado e crítico, as reconstruções da realidade virtual e suas releituras verdadeiras ou não, como se costuma afirmar: “O que vale não é o fato, mas a versão do fato”:
"Na sociedade tecnocêntrica os meios de comunicação ocupam o papel central na vida das pessoas. Eles reestruturam toda a sociedade assim como fazem com que a economia, a política, a cultura, a religião, o lazer, o esporte reorganizem-se agora em função de sua veiculação na comunicação. A marca desta era é que as coisas não valem pelo que elas são, elas só valem se forem comunicadas, divulgadas pelo sistema de comunicação, se mediadas por esse processo."vi
De tal forma a veiculação midiática intensifica a divulgação dos eventos mais comuns do cotidiano das pessoas, que não se pode mais garantir se são verdadeiros ou se foram manipulados. Diversão e informação se mesclam a ponto de não poderem mais se dissociarem, deturpando em muitos casos as reais necessidades de seu conhecimento público.
Dentre os efeitos prejudiciais do neuromarketing estão a ocultação de informações ou a abusividade delas, o que ocorre quando são divulgados, por exemplo, aspectos positivos de produtos e serviços pela publicidade, sem menção a possíveis danos à saúde, à segurança, ao ambiente, aos animais domésticos etc.
Deve-se destacar, também, a criação de necessidades inexistentes, supérfluas, a serem supridas por novos equipamentos e acessórios, apresentados como facilitadores ou conferirem status a quem os adquire, como artigos da moda, importados etc.
O intenso apelo à estética corporal se dá, também, pela propaganda de resultados mirabolantes, gerados pela ingestão de suplementos alimentares, ou pelo uso de equipamentos para exercícios etc. São focados em aspectos como a sedução, a conquista, a beleza, a saúde, as paixões etc, banalizando os mais significativos sentimentos, expectativas e emoções do ser humano.
Possuem efeitos invasivos do ser humano, da intimidade das pessoas e de sua privacidade doméstica, profissional, individual; tornando-as, com o passar do tempo, acríticas em relação às próprias necessidades e de sua família:
"A intimidade tem que ver com o sentimento das pessoas, a respeito das questões que elas não se incomodam de participar aos outros e daquelas outras que preferem manter sob certa reserva. Esse sentimento, evidentemente, varia de pessoa para pessoa e é também diferenciado em cada cultura, em cada época e nos diferentes lugares. Está, ainda, em constante mutação no tempo e no espaço."vii
Quanto à privacidade envolve aspectos pertinentes à individualidade, ao que é particular e que não precisa se tornar público, abrangendo o ambiente profissional, doméstico, os negócios, questões de família etc.
Em razão da amplitude dos significados, que a doutrina jurídica oferece, observa-se que a intimidade envolve diretamente a subjetividade (“o âmago do ser do indivíduo”), o que é reservado, exclusivo, secreto e não revelado ou revelado a poucos.viii
Procurando distinções pela comparação, a privacidade é o gênero e a intimidade é a espécie, a primeira possui natureza mais objetiva (foro exterior) e a outra subjetiva (foro interior), embora se referenciem na pessoa.
Reportando-se à doutrina estrangeira Elimar Szaniawski refere-se à diversidade de conceituações, que se incluem, genericamente dentro da expressão “direito à vida privada", abrangendo os aspectos precitados, dentre outros.ix
Cabe, também, ressaltar que no contexto mercadológico em que se desenrolam os conflitos analisados, estão presentes direitos e princípios constitucionais, sobremodo importantes, dentre os quais: liberdade de expressão (art. 5º, IV); informação (art. 5º, XIV), além da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art. 5º, X).x
Somados aos princípios e garantias constitucionais, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n.8.078/1990)xi estabelece, expressamente, como direito básico do consumidor, dentre outros, a proteção contra a “publicidade enganosa e abusiva” (art 6º, IV); impondo que a informação deve ser “adequada” e “clara” (art. 6º, III).xii
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A relevância das questões levantadas não se limita à simplicidade de sua abordagem neste texto. Reflexos continuamente presentes na vida privada das pessoas, em diferentes estágios e condições econômico-financeiras, são conhecidos, como o crescente endividamento, sobretudo, em momentos de crise.
Crianças são atraídas pelo magnetismo das imagens dos brinquedos, desenhos animados e alimentos; jovens são cativados por marcas famosas, por objetos da moda (grifes) que lhe possam conferir status, aceitação, mais destaque etc. Adultos (homens) são fascinados por carros, veículos potentes e postos de comando relacionados a bebidas, relógios, roupas etc. Mulheres, em especial, são compelidas à aquisição de produtos de beleza, móveis, jóias e demais bens que lhes possam agregar maior atrativo físico ou profissional.
A publicidade, desta forma, ainda que formalmente adequada, usa o universo complexo das emoções, compelindo a grande massa e os incautos compradores à compra por impulso; em que a razoabilidade quase nunca acompanha as decisões tomadas.
De alguma forma, um percentual da violência urbana é, em grande parte, reflexo do consumo inconsequente, em que os valores materiais inspiram atos de agressão à vida e à propriedade, tendo como pano de fundo a cobiça pelos bens alheios (assaltos, furtos, invasões).
Aos olhos de uma sociedade direcionada ao hiperconsumo se dá maior importância aos bens e valores voláteis, temporários e descartáveis, do que ao ser humano, digno e eterno em sua essencialidade.
Por detrás das manipulações midiáticas estão subliminares ideias expressas em inocentes imagens (direcionadas a crianças); bem sucedidas e eróticas (homens e mulheres adultos) em que as emoções e sentimentos são instrumentos úteis ao intenso comércio que se esconde nos bastidores.
Ostentação, poder e riqueza invadem altos postos do governo, motivados pela cobiça desordenada de políticos, empresários e agentes púbicos, revelada no consumo compulsivo de bens e serviços, em detrimento dos cofres públicos (corrupção).
Emoções, sentimentos, imagens distorcidas na mídia social, desejo de poder e fama magnetizam e destroem os incautos consumidores, endividados, verdadeiramente acorrentados pela acumulação de produtos que não conseguem usar e serviços que não atendem a seus interesses.
*1 Advogada. Mestre em Direito Público pela UFPR. Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR. Professora titular de Teoria do Direito do UNICURITIBA. Professora Emérita do Centro Universitário Curitiba, conforme título conferido pela Instituição em 21/04/2010. Orientadora do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética – Jus Vitae, do UNICURITIBA, desde 2001. Professora adjunta IV, aposentada, da UFPR. Membro da Sociedade Brasileira de Bioética – Brasília. Membro do Colegiado do Movimento Nós Podemos Paraná (ONU, ODM). Membro do IAP – Instituto dos Advogados do Paraná. Premiações: Prêmio Augusto Montenegro (OAB, Pará, 1976-1º lugar); Prêmio Ministério da Educação e Cultura, 1977 – 3º lugar); Pergaminho de Ouro do Paraná (Jornal do Estado, 1997, 1º lugar). Troféu Carlos Zemek, 2016: Destaque Poético.
2 COLUCCI, Maria da Glória. Moldura socioeconômica da prática do vitrinismo no direito brasileiro. Curitiba: Estudos em Homenagem a Ezequias Losso, Instituto Memória, 2016.
3 BRASIL, Conselho Federal de Psicologia disponível em site.cfp.org.br
4 ONU, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), disponível em www.nacoesunidas.org
5 MARCONDES FILHO, Ciro. Sociedade tecnológica. São Paulo: Scpione, 1994, p.42
6 Id, p.64.
7 SILVA, Edson Ferreira. Direito à intimidade: de acordo com a doutrina, o direito comparado e a Constituição de 1988. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p.38.
8 TOMIZAWA, Guilherme. A invasão de privacidade através da internet. Curitiba:JM Livraria Jurídica, 2008, p.63.
9 SZANIAWSKI; Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. 2 ed. São Paulo: Rev. dos Tribunais, 2005, p.293.
10 BRASIL, Constituição da República Federativa do. 1988, disponível em www.planalto.gov.br
11 BRASIL, Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, disponível em www.planalto.gov.br
12 BRASIL, Constituição da República Federativa do. 1988, disponível em www.planalto.gov.br em loc.cit
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