José Salgado Maranhão: Poesias





Arte digital de Isabel Furini

A febre verbal


A febre do poema
é o ruído do sonho
na palavra,
o clamor da eternidade
urgente
(como Sócrates
que queria tocar lira
antes de morrer.)

As impressões dão-se
ao risco
de cruzar o fogo
sem perder o jogo:
no céu da boca
o sol da linguagem
tece relâmpagos.

E disto é o reino da voz
sobre as sombras.
A febre do poema
é o tálamo
que dá língua
à pedra.

Um rito à borda do delito.
Labor árduo
Meus olhos exilaram-me
na planície das palavras.
E luto com elas no breu
como um louco
que adestrasse nuvens;
_ como o outono a depenar-se.



Óleo sobre tela de Carlos Zemek
Ainda que no desconcerto
ante as coisas que pedem silêncio.

Em face do mistério
Minha sina é uma canção
de amor no temporal.
desliza sobre mares
rola sob viadutos
ruínas e paixões.
meu coração quasar rasante
(vale-transporte para a via láctea)
brota sob o carpete,

Sobre os algados
e as cinzas do não.
(ó sina que me arremessa
na canção do temporal!)
do acervo do não ser
a essência das coisas range
pedindo para nascer.

José Salgado Filho

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