Receptáculo da Bondade
A minha infelicidade vem da tua casa à beira-mar
Vendo-me correr o meu vagar pela praia.
Sei da tua ausência pelo cheiro,
Pela falta de vida nas ondas.
Eu, cega em antigas saídas da alma,
Não quero meus textos frouxos na tua película
De vinhática virilidade servil.
Tampouco quero o teu francês na minha língua,
Tramando aturdimentos.
Não quero a tua delicadeza fingida
Dedilhando minha vagina expressionista.
Bem certa estou de que tu és
O delator dos meus delitos.
Não quero o teu anel roçando
O meu desejo lírico com promessas,
Nem profecias proféticas
De outra vez amar,
Amar o mar da nossa terra.
Não quero meu livro de versos íntimos
Entre teus dedos,
Imunes à eternidade das ostras negras,
E aos lírios lilases do meu quintal.
Nem quero saber dos teus dias de suntuosidade,
Durante a minha ausência paladina.
Sou a mulher por quem a tua esfinge procura
Nos pesadelos cheios de gozo e fortuna de afeto.
Sou toda brusquidão e rudezas de amor,
E rezo por nós dois à toa, sem estações,
Sem toadas nem eras, nem bolos de carimã.
Quero pousar no teu dia vez ou outra
Para assoprar tua gravata,
E desatar os nós do teu sapato lustroso.
És bárbaro,
Na arrogância dos diamantes
Que escapam do teu palato duro.
Deixa-me dormir em paz!
Sem que interrompas o meu sono
De exaustão operária.
Dez horas depois,
Estejas a acariciar meu sono de menina eterna,
Ao som da tua desgraça de poeta sem portas,
Sem machados nem cancelas.
Quero ofertar minhas soluções e meus soluços
À face do que em ti é Absoluto e é Eterno.
À face do que em ti é Amatividade e Amavios,
Apesar das derrocadas, das implosões,
E dos mistérios escolásticos da penitência.
Quero, hoje, ter saudade de qualquer vertigem
Que tenha sido nossa, qualquer ilusão
Que tenha saído da tua honradez absoluta
De macho curioso por meu mutismo.
O meu pai morreu sem te ter à mesa
Ofertando ao velho a minha condição de ser tua,
E de querer de mim o meu grande ventre
De mulher bem parideira e fazedora de sonhos.
Deixa-me dormir nas calçadas,
Sem teu ódio vencido
De macho traído
Mil vezes por esta fêmea que te adora.
E que por isso busca em teus pares
Relíquias do teu cheiro.
Busca em teus pares a tua pele nobre de rei etíope.
Busca, na verve dos teus discípulos,
Vestígios de tua fome sobre o meu corpo exausto.
Por isso, busco nos teus consanguíneos
Alguma razão para o caos da tua inapetência
Diante dos meus propósitos de mulher.
Eu, este receptáculo da Bondade.
Cânhamo
O tempo envelhece o telhado
E desola os meus ovários.
Teço cânhamo em São Luís
Teço o dia inteiro,
Teço a noite inteira,
Teço em todas as horas do meu dia
O tecido que não vestirei.
Invado rios em busca
Das dunas e me acanho diante
Do teu nome de assombros
Diante da tua boca de veleiros
Que não me deixa falar
Diante da tua presença
Que não me deixa existir.
Minha terra tem buritis
E no meu coração
Há um curso de cicios silenciados.
Discursos emudecidos.
Há emaranhados de maranhões em mim.
Andorinha
As andorinhas existem!
Saíram das páginas do livro
E resolveram viver
Nas alvenarias
Do invisível.
Mas a tua ausência dentro de mim é puríssima dor.
Não há voo que dissipe minha esperança.
Nem vento, nem rosa, nem crença
Que suavize a melancolia parasita nos ossos.
Alheios desejos nos levaram
Para ilhas opostas:
Tu foste para Creta.
Eu, para o Crato.
E do anonimato dos dias
Tenho feito poesia secreta
E prosadura.
Rita Santana
Rita Santana é uma atriz, escritora e professora brasileira.
Além de atriz, é uma escritora e uma professora licenciada de letras na UESC. Como atriz, iniciou a sua carreira em 1985 no teatro. Também atuou em pequenas participações no cinema e vivendo o seu melhor momento como atriz, no papel de Flor, na telenovela global Renascer. Como escritora e poetisa, em 2006 publicou um livro de poesias chamado "Tratado das Veias". Vive na cidade baiana de Lauro de Freitas. (Wikipedia).
A minha infelicidade vem da tua casa à beira-mar
Vendo-me correr o meu vagar pela praia.
Sei da tua ausência pelo cheiro,
Pela falta de vida nas ondas.
Eu, cega em antigas saídas da alma,
Não quero meus textos frouxos na tua película
De vinhática virilidade servil.
Tampouco quero o teu francês na minha língua,
Tramando aturdimentos.
Não quero a tua delicadeza fingida
Dedilhando minha vagina expressionista.
Bem certa estou de que tu és
O delator dos meus delitos.
Não quero o teu anel roçando
O meu desejo lírico com promessas,
Nem profecias proféticas
De outra vez amar,
Amar o mar da nossa terra.
Não quero meu livro de versos íntimos
Entre teus dedos,
Imunes à eternidade das ostras negras,
E aos lírios lilases do meu quintal.
Nem quero saber dos teus dias de suntuosidade,
Durante a minha ausência paladina.
Sou a mulher por quem a tua esfinge procura
Nos pesadelos cheios de gozo e fortuna de afeto.
Sou toda brusquidão e rudezas de amor,
E rezo por nós dois à toa, sem estações,
Sem toadas nem eras, nem bolos de carimã.
Quero pousar no teu dia vez ou outra
Para assoprar tua gravata,
E desatar os nós do teu sapato lustroso.
És bárbaro,
Na arrogância dos diamantes
Que escapam do teu palato duro.
Deixa-me dormir em paz!
Sem que interrompas o meu sono
De exaustão operária.
Dez horas depois,
Estejas a acariciar meu sono de menina eterna,
Ao som da tua desgraça de poeta sem portas,
Sem machados nem cancelas.
Quero ofertar minhas soluções e meus soluços
À face do que em ti é Absoluto e é Eterno.
À face do que em ti é Amatividade e Amavios,
Apesar das derrocadas, das implosões,
E dos mistérios escolásticos da penitência.
Quero, hoje, ter saudade de qualquer vertigem
Que tenha sido nossa, qualquer ilusão
Que tenha saído da tua honradez absoluta
De macho curioso por meu mutismo.
O meu pai morreu sem te ter à mesa
Ofertando ao velho a minha condição de ser tua,
E de querer de mim o meu grande ventre
De mulher bem parideira e fazedora de sonhos.
Deixa-me dormir nas calçadas,
Sem teu ódio vencido
De macho traído
Mil vezes por esta fêmea que te adora.
E que por isso busca em teus pares
Relíquias do teu cheiro.
Busca em teus pares a tua pele nobre de rei etíope.
Busca, na verve dos teus discípulos,
Vestígios de tua fome sobre o meu corpo exausto.
Por isso, busco nos teus consanguíneos
Alguma razão para o caos da tua inapetência
Diante dos meus propósitos de mulher.
Eu, este receptáculo da Bondade.
Quadro do artista plástico Davi Faustino |
O tempo envelhece o telhado
E desola os meus ovários.
Teço cânhamo em São Luís
Teço o dia inteiro,
Teço a noite inteira,
Teço em todas as horas do meu dia
O tecido que não vestirei.
Invado rios em busca
Das dunas e me acanho diante
Do teu nome de assombros
Diante da tua boca de veleiros
Que não me deixa falar
Diante da tua presença
Que não me deixa existir.
Minha terra tem buritis
E no meu coração
Há um curso de cicios silenciados.
Discursos emudecidos.
Há emaranhados de maranhões em mim.
Andorinha
As andorinhas existem!
Saíram das páginas do livro
E resolveram viver
Nas alvenarias
Do invisível.
Mas a tua ausência dentro de mim é puríssima dor.
Não há voo que dissipe minha esperança.
Nem vento, nem rosa, nem crença
Que suavize a melancolia parasita nos ossos.
Alheios desejos nos levaram
Para ilhas opostas:
Tu foste para Creta.
Eu, para o Crato.
E do anonimato dos dias
Tenho feito poesia secreta
E prosadura.
Rita Santana
Rita Santana - Foto de Angela Hernández |
Rita Santana é uma atriz, escritora e professora brasileira.
Além de atriz, é uma escritora e uma professora licenciada de letras na UESC. Como atriz, iniciou a sua carreira em 1985 no teatro. Também atuou em pequenas participações no cinema e vivendo o seu melhor momento como atriz, no papel de Flor, na telenovela global Renascer. Como escritora e poetisa, em 2006 publicou um livro de poesias chamado "Tratado das Veias". Vive na cidade baiana de Lauro de Freitas. (Wikipedia).
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