Salgado Maranhão: Poemas


Das coisas

As coisas órfãs de luz
assaltam nossos azuis

dispersos. As peças vivas
- lavas de sombra à deriva -

zoam na humana paisagem
rente à linha de montagem

do desejo. (Ou cintilância
que o poder das coisas lança?)

Tralha que nos cerra os cílios,
vida, loja de utensílios,

víveres. Onde outros rumos
aos que no tecido ousem

roer o fio de prumo
dos que de coisas se cosem?

Salgado Maranhão, do livro Sol Sanguíneo

Quadro do artista Carlos Zemek
7.

Não te ceifaram as asas essas constelações
de pedra. Nem o furor da brisa rastejante.
Tua casa é uma língua de redemoinhos;
teus pássaros cantam para acordar a lua.
E seguirás a encurtar a noite com teu troféu
de órbitas. Rapara no orvalho sobre os
espinhos; na textura do que floresce e sangra.
Repara na noite que açoita
o voo solitário das rapinas.

Salgado Maranhão
(Do livro Avessos Avulsos)

*


CAPRICHO

É quase um capricho
estelar, este
rito de espanto
içado em mim; este
império de nuvens.

É quase um delírio:
com olhos de pântano
e línguas de cimitarra.

Ó vulcão de esplendores!

Não sei juntar
meus avessos;
não sei onde alugar
certezas.

Sei apenas que o amor
inventa oásis
para esconder incêndios.

Salgado Maranhão

*


ALQUIMIA

Minha África está repleta
em mim. E é dela que acordas
minhas transparências; e é
dela que alago as tuas vinhas
e os teus mistérios.
Tuas minhas Áfricas são meu refúgio
desesperado; donde serei
teu posseiro de reentrâncias; teu
imperador de afetos.
E é assim que quebrarei
tuas ânforas de mel
para doar teu néctar ao vento,
como quem parte um cristal
para torná-lo ouro.

Salgado Maranhão

Poeta José Salgado Maranhão
Salgado Maranhão (Caxias, 1953) é um poeta e compositor brasileiro. Recebeu o Prêmio Jabuti com o livro "Mural de Ventos", em 1999. Ganhou o segundo Prêmio Jabuti com o livro "Ópera de Nãos", em 2016. Foi convidado em mais de 50 universidades americanas como Harvard e Yale. A sua poesia é reconhecida e estudada não só no Brasil, mas também nos Estados Unidos.

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