Ilario Iéteka: O cão fantasma


A velha estrada tinha como objetivo o escoamento das hortaliças dos lavradores, direção aos consumidores nas cidades de São Jose dos Pinhais e Curitiba, capital do Paraná. O trânsito era feito por carroças, cavalgadas, caminhões raramente trafegavam pela rodovia. Num lugarejo chamado Barro Preto, o qual atravessava as terras da família Cruz e de seu vizinho Moro, era uma estrada de terra batida. Em época de chuva era difícil o trânsito das carroças, com o passar dos anos foi batizada de Avenida Joinvile. Apesar do tempo que passou a estrada não está asfaltada, poucas coisas mudaram. As matas, o pequeno barranco continua até os dias atuais.

Na família Cruz, um dos filhos do patriarca Manoel começou a paquerar uma das filhas de seu vizinho Moro. Zeni era a filha que o moço estava interessado, uma jovem robusta, simpática. A italianinha derretia corações nos bailes do lugarejo. Juvenal não estava a fim de perder a gatinha para os amigos de festas, partiu para a conquista. Conversa vai, conversa vem, a menina foi conquistada pelo caboclinho como era chamado pelos colegas. Rapaz trabalhador, honesto, de boa aparência, tinha tudo a seu favor, todos estavam felizes e as famílias se uniram com este namoro.

Caboclinho, não era um dos homens mais corajosos, mas impulsivo ia namorar todos os dias. Na volta à noite, o moço andava apavorado com medo de cobras, onças, principalmente fantasmas. A estrada no escuro dava arrepios no rapaz. Logo depois do trabalho na lavoura, na volta para casa, desviava o caminho para ir fazer um afago na sua cara metade. As duas famílias bem abastadas, proprietárias de boas terras, tinham a vida feliz. Caboclinho, um moço folgado, em vez de jantar com seus pais, o danado saia nas pontas dos pés e ia jantar na casa do futuro sogro. Muitas vezes, ele se esquecia do horário de voltar para casa e sua namorada tinha que alertá-lo:
- Juvê, está na hora de ir embora! Passa das vinte e três horas.

O rapaz saia contra a vontade, mais era o único jeito naquele momento. O dia seguinte o esperava para mais um trabalho árduo. Até esquecia-se das onças, cobras, fantasmas, pois as noites para ele eram lindas, os grilos cantando parecendo uma orquestra a saudá-lo.
Os dias, meses, passaram sem haver desencontros, até que numa bela noite, o rapaz se viu com algo inusitado. Ao sair da casa da namorada, notou ao lado esquerdo da estrada um cão preto, maior que um pastor alemão, era grande, que começou a acompanhá-lo na parte de cima do barranco. Noite estrelada, certa claridade natural para se conseguir uma boa visão. Juvê acreditou que o cachorro pertencia com certeza aos vizinhos e não deu trela para o bicho. Chegando a esquina, quando dobrou a direita, olhou para o cão e ele havia sumido.

Foto e Arte de Isabel Furini
Na noite seguinte, era a mesma rotina, porém o acompanhante estava no mesmo lugar do dia anterior. O cão tinha um tipo esquisito, andava de cabeça baixa sem olhar para os lados, conforme a velocidade dos passos do caboclinho, eram os passos do cachorro, se parasse o bicho também parava. Assim mesmo, o rapaz não acreditou que aquilo fosse algo de sua imaginação. Dali para frente, não havia um dia que seu acompanhante falhasse. Juvenal resolveu ir aos vizinhos perguntando se alguns deles tinham um cachorro preto alto e forte, todas as respostas eram negativas. Irritado, não quis fazer alarde, como estava bem informado, resolveu contar a historia para um de seus irmãos, pedindo que lhe escutasse com seriedade.

_ Antes de você contar fantasias, eu não quero fazer alvoroço sobre o assunto, por favor! Por enquanto quero que você guarde segredo sobre o assunto.
O irmão respondeu:
_ Então fale caboclinho!
Juvê continuou o conto:
_ Está bem! Lá vai a minha preocupação. Estou num dilema sem pé e nem cabeça, a historia é esquisita. A noite quando saio da casa da Zeni, logo em frente daquele barranco á esquerda, noto todos os dias um cão preto, aguardando-me. O mais esquisito de tudo isto, é que ele segue meus passos sem olhar-me, se paro de andar ele para também, quando volto a andar o bicho também anda. Sempre com a cabeça baixa segue-me até a esquina aqui de casa. Quando viro para a direita o bicho some. Isto está me deixando nervoso, assustando-me. O que você me diz mano?

O rapaz já ofegante pelo fato de contar a historia, continua sem deixar o irmão responder:
_ Já tentei espantá-lo! Chamei, expulsei, não adiantou nada! O desgraçado nem foi capaz de me olhar!, Eu juntei cinco pedras, atirei contra o lazarento! E por incrível que pareça, as pedras foram em outra direção. Parece que o bicho é encantado! Já faz um mês que este safado esta na minha cola. Testei minha pontaria em outras coisas, acertei mais do que errei, rapaz! Alguma coisa está fora do lugar. Este animal está começando a me assustar. Estou saindo da casa da namorada, com meus cabelos em pé, todos os pêlos do meu corpo se arrepiam, me diga o que fazer por favor!
O irmão vendo o desespero do Caboclinho disse:
_ Vou com você! Três dias bastará, já que o cachorro te segue diariamente. Vamos desmascarar este bicho hoje mesmo.

Os rapazes partiram para a casa da família Moro onde a Zeni estava esperando o seu príncipe encantado. No caminho, os irmãos estavam de olhos abertos no barranco, porém o medo deles era visível um para o outro. Na ida nada aconteceu, pois o problema seria a volta, Para a surpresa de Juvenal, no primeiro dia nem uma novidade, parecia que o cão adivinhou, e o Caboclinho ficou com a cara de tacho, sabia que seu irmão não deixaria de tirar um sarro.
Juvê chateado, dizia:
_ Cuidado! Vai brincando com coisas que você não conhece. Amanhã poderá ter uma surpresa imprevisível, desagradável também.

Porém o irmão não deu bola para nada que escutara. No segundo dia foi a mesma coisa, nada de cão fantasma. As piadinhas sem graças continuaram. No terceiro dia foi pior, as brincadeiras foram aumentando e seu irmão já estava o chamando de cagão, medroso, covarde.
_ Coitado do mano velho! Está furioso com o maldito cachorro, que desta vez fez ele passar por mentiroso.

No quarto dia Juvê saiu tranquilo, pelo caminho ia pensando se estava enxergando coisas que não existiam, fala sozinho:
_ Deve ser pura fantasia mesmo. Acho que meu irmão tem razão. Bom... Melhor eu esquecer este assunto. Eu vou namorar que é mais gostoso.

Chegou à casa da amada, conversou bastante, jantou com eles, depois saíram namorar na frente da casa onde tinha uma enorme pedra. Era o lugar predileto dos dois apaixonados, ali ficavam longe dos olhos dos pais, conversavam animadamente, entre beijos e abraços, atos libidinosos corriam livres e soltos. A noite parecia curta, mas o tempo de ir embora chegava, passando das vinte e três horas. Juvenal se levantou, deu mais um beijo apaixonado e saiu. Com coragem e animado, foi olhar para o barranco e notou que o seu acompanhante o esperava. Todos os pêlos que tinha no corpo ficaram arrepiados, o desespero tomou conta porque não havia meia solução, ele tinha que ir embora.
_ Este cachorro desgraçado está me perseguindo! Acho melhor não provocá-lo!

O animal caminhava sempre de cabeça baixa, Juvê tentou espantá-lo, mas o bicho nem estava ligando para o que eu fazia. Foi embora tremendo de tanto medo, chegou em casa esbaforido e contou para os familiares que o lazarento do cão tinha voltado. O irmão que tentara ajudar, disse:
_ Por que este miserável não aparece para nós? E só para você?

O pai escutava o relato do filho, disse-lhe:
_ Filho, amanhã você vai levar o meu revólver. Se o bicho aparecer novamente pregue fogo no safado! Só assim saberemos o desfecho da bala sobre o cão. Este três oitão não falha, é uma arma das boas, eu vou deixar ele carregado. É só você mirar e atirar que o bicho tomba!

O moço encorajado pelo pai, não via a hora de chegar para o seu encontro com a fera, disse:
_ Desta vez tenho certeza que resolvo o assunto, tudo esta a meu favor. A noite é de lua cheia, o céu está limpo, não vejo impedimento para ver o alvo. Eu vou acertar o tiro na cabeça do peste!

O moço estava entusiasmado, e seguindo seu costume, foi namorar, porém agora estava com o revólver na cintura, ficou corajoso. A paquera foi igual aos outros os dias, até as vinte e três horas. O namorador estava confiante no poderoso revólver de seu pai e disse para amada:
_ Zeni, quero que aquele cão dos infernos apareça na minha frente hoje, só para ver o que estou guardando pra sua cabeça.

Juvê abraçou com carinho e deu um beijo na amada e saiu. Ao dar início a caminha pensava se desta vez conseguiria dar um basta naquele bicho. Ele foi caminhando de olho no barranco, para seu espanto o cão diabólico estava no mesmo lugar e cabeça baixa, parecia estar esperando o colega para emparelhar os passos com o homem. O animal iniciou a caminhada. Juvenal pensou que era naquele momento que a cobra ia fumar, foi andando sem se incomodar, mas de olho no cachorro, falando sozinho em voz baixa:
_ Eu vou surpreendê-lo a cem metros antes da esquina. Não vou esperar o danado desaparecer, antes eu quero atirar na cabeça do infeliz.

Chegado o momento, sacou o revólver e começou a mirar. Juvê percebeu que o cão pela primeira vez lhe encarou, parecendo debochar do atirador. Mas o jovem não deu trela e apertou o gatilho. Para sua infelicidade o tiro não saiu, repetiu o gesto apertando o gatilho pela segunda vez, naquele instante percebeu que o cão sumiu como fosse uma fumaça, desapareceu como mágica. Seus cabelos ficaram em pé, enfiou o revólver na cintura e saiu correndo o mais rápido que pode, não via a hora de chegar em casa, assim estaria seguro e salvo.
Chegando em casa contou aos familiares como foi o encontro. Ainda estava muito assustado, tremendo e suando frio, seu pai não acreditava no que estava ouvindo, disse:
_ Filho, você tem certeza que seus futuros cunhados não retiraram as balas do revólver? Agora você está contando esta ladainha toda por um descuido. Já examinou a arma?
_ Ainda não pai.

Ao olharem veio o susto, as balas estavam todas no revólver, só que as duas tentativas de tiro não saíram e estavam picotadas. Seu Manoel não estava acreditando que o revólver tinha falhado, pois até aquele dia nunca negou fogo. Todos estavam atordoados com o tal acontecimento. Resolveram testar novamente as balas, para a surpresa dos presentes, os tiros foram disparados com sucesso. Para haver certeza que os projeteis não estavam com defeitos, dispararam o terceiro tiro, o qual saiu perfeito, sem problemas. Foi um bafafá dos diabos, o barranco ficou famoso.

A historia de Juvenal e o cachorro nas noites iluminadas próximo as vinte e três horas ficou famosa na região. Eram poucos os que tinham coragem de passar a noite naquela estradinha. Dizem que o cachorro é o melhor amigo do homem e que é o animal que escolhe o próprio dono. Coitado do apaixonado e galanteador Juvenal que para ganhar o amor da Zeni, teve que aceitar a companhia de seu cão fantasma. E o cachorro? Depois dos tiros picotados, mesmo não ter acertado a carne, deve ter magoado o espirito do bicho, que magoado nunca mais voltou a acompanhá-lo. Na verdade, depois de Juvê conseguir olhar nos olhos do animal e ter enfrentado, ele sumiu do mesmo jeito que apareceu, no meio do nada da noite.

Ilario Iéteka
Contista e cronista
Acadêmico da AVIPAF
Cadeira 34

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