José Aparecido Fiori: Lamento para o Padre Giuseppe Berardelli


Lamento para o Padre Giuseppe Berardelli
(*) José Aparecido Fiori

Na casamata isolado em meu sacrílego ensimesmamento
Uma lágrima, um lamento
Unto as mãos, acendo as velas dos castiçais, meus modestos candelabros italianos, dentro de minha humilde catedral doméstica
Por ser Quaresma, visto-me de saco, cinjo os rins com cilício, rezo em silêncio no Vale do Silício
Algumas jaculatórias, leio o livro Cântico dos Cânticos
— Porque melhor é o teu amor do que o vinho, ó morena formosa, filha de Jerusalém
— Às éguas dos carros de Faraó te comparo, ó meu amor
— Formosas são as tuas faces entre os teus enfeites, o teu pescoço com os colares
Arte digital de Isabel Furini

Querido Padre Giuseppe, meu xará, nome do meu filho Davi
Quão lindos os pés dos que anunciam a paz
Tu és Padre para sempre, segundo a Ordem de Melquisedek
Combateste o bom combate, encerraste tua carreira, guardaste a fé
Pois é, padre
É preciso que a planta velha morra, seja enterrada, exploda, apodreça, desapareça para que nova flor se irrompa
Das pedras grávidas do útero da Mãe Terra há de nascer nova flor
Padre que deu à vida indoor na dor pungente para que a vida siga em frente
Tu és um plágio poético do que de mais lindo estético for escrito pelo Criador
Imagem e semelhança do Divino que esplende a sublime Beleza
Tivestes a inquebrantável fé do Rei Davi que tocava a harpa para espantar a tristeza de Saul
A sabedoria encantadora dos profetas
Até a Rainha de Sabá, dos confins da terra, se encantou, nunca visto antes, com a maravilha do teu sacrifício no altar, a liturgia do teu gesto altruísta de amor
Tu és um salmo de bálsamo salvífico de Cristo agonizante na dor
Não fizeste como o avestruz a esconder a cabeça ungida com o lúmen da cruz
Não tiveste vergonha em pregar e ser testemunha na alegria e na tristeza, fazendo tudo em nome de Nosso Senhor
Emprestaste teu respiro ao amigo mais novo para que ele pudesse ressuscitar como Fênix dos escombros

*O padre italiano Giuseppe Berardelli, de 72 anos, morreu em Bergamo, no norte da Itália, dia 24 de março de 2020, depois de recusar ser colocado em um respirador que seus paroquianos haviam comprado para ele. Berardelli resolveu que um paciente mais novo deveria usar o equipamento.


(*) José Aparecido Fiori, jornalista, escritor, autor de “Lolita de Curitiba”.

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