O rapaz saiu apressado da aula noturna e correu pela rua estreita tentando esconder-se da garoa gelada que caía. Eram 10 horas e ele chega ao prédio verde antes da portaria suntuosa ser trancada.
- De novo Felipe? Qualquer dia o pai dela te pega. – O porteiro alerta.
O rapaz ri tentando enxugar a roupa molhada. Seus olhos brilham quando olha para a escada e vê a moça por quem todo sacrifício vale a pena. Os dois sentam na escada de mãos dadas, até o porteiro avisar o horário. Um beijo rápido de despedida e o rapaz some em meio à chuva que cai.
Felipe e Cires duas pessoas que não combinam. O pobre com a menina rica. O analfabeto com a universitária. Mas, quem manda no coração? Um rapaz simples, criado pela avó, carregador de supermercado. Um dia ela passava pela praça, e um homem roubou a sua bolsa. Com o seu braço forte, deu um safanão no ladrão e resgatou a bolsa.
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| Arte digital de Isabel Furini |
Depois de um mês do desaparecimento, Cires foi até a casa da avó de Felipe, ela estava doente e em dificuldades e a moça passou a cuidar dela.
Então a gravidez foi confirmada. Passou mal todos os meses e só queria a presença da avó de Felipe ao seu lado. Com medo de perder a única filha, o pai consentia que a idosa ficasse com ela, morando com eles. Com o nascimento do pequeno Fred, a presença da avó ficou muito mais necessária. Cires não tinha mãe que faleceu quando ela era criança e o desaparecimento de Felipe a deixava com dúvidas sobre a integridade do pai. Escutava os empregados murmurando a respeito de como ele fazia as pessoas “sumirem“ da cidade. Contratou investigadores, mas não conseguiu nada. Seu pai interferia em todos os processos com o seu poder, influência, grana.
Ela arquitetou um plano: primeiro foi no escritório e montou um dossiê com muitos documentos do pai e da empresa. Muitas falcatruas e desonestidades. Fez uma carta para ela mesma, em um papel amarrotado, escrita a lápis. “Meu amor. Estou bem. Logo marcar encontro com você. Espere. Vou mandar avisar. Lá no Ponto Azul. Saudades. Amo você. Felipe”.
Deu uma nota grande para um menino da rua e mandou que ele entregasse no prédio, para o porteiro na frente do pai. Escolheu a hora que o pai estaria entrando no prédio e ficou na esquina aguardando. O pai ouviu que era um bilhete para a filha, pegou o papel e enxotou o menino. Quando abriu a carta, ficou muito preocupado e nem subiu. Voltou para o escritório. Cires estava na esquina e foi atrás. Ficou esperando e quando um funcionário saiu, seguiu-o até o aeroporto. Cires espera o avião da empresa decolar e entra no hangar correndo com um grande envelope na mão, interpretando:
- Não acredito que ele já decolou! Tinha que levar esses para São Paulo!
- Mas o jatinho não foi para São Paulo. Foi para Foz do Iguaçu.
Pronto. Era tudo que ela queria saber.
Durante a tarde arrumou nervosamente as malas. Deixou tudo na sala e esperou o pai chegar. Como sempre, ele vem ansioso para ver o neto, pois fica horas com o bebê no colo, conversando com ele. O pai abre a porta e leva o maior susto ao ver todas as malas. O horror toma conta de seu semblante e ele não sabe o que falar.
- Vamos embora. Quero o Felipe.
- Como assim? Vão aonde? Com quem? Você nem sabe onde ele está!
- Mas você sabe pai. E agora mesmo você vai mandar seus capangas irem até lá buscá-lo. Eu sei que ele está pelos lados de Foz do Iguaçu. Estamos indo embora da sua vida, mas se você ainda quer ver o seu neto, tem até sábado para ir buscar o meu Felipe e entregar no apartamento que a mãe me deu. Outra coisa pai, exijo que você regularize tudo que está nesse dossiê. Caso não faça isso, vou enviar uma CÓPIA de tudo ao Imposto de Renda, Prefeitura e o resto. Você e todos esses seus amigos vão para a cadeia junto com você. Vou aproveitar a Lava Você só faz maldades para a sua família, para as pessoas que entram no seu caminho e ainda rouba do Brasil. Eu sempre vi isso e nunca fiz nada. Agora as coisas mudaram. Não posso mais compactuar com os seus negócios escusos. Chega para mim e chega para os cofres públicos.
O pai vai murchando. Os braços ao longo do corpo. O olhar buscando o rostinho do bebê adormecido. Chegava a dar pena. Cires olha para ele e sai, decidida.
Ela e a avó arrumaram o apartamento, compraram móveis, tapetes, louças. Dinheiro não era problema, pois Cires tinha a herança da mãe, que era completamente lícita.
O pai de Cires estava transtornado. Ele era completamente louco pela filha e agora também pelo neto. Via o menino ao seu lado, já moço, trabalhando nos negócios. O seu sonho realizado. Mas e agora se a filha cortar relações com ele, todo o seu sonho como ficará? E os negócios? Tudo que ele conseguiu até aquela data era fruto de suas artimanhas políticas. Indo contra todos os seus princípios de maldade, resolveu voltar atrás e mandou buscar o pai do bebê. Ele havia mandado o rapaz para uma fazenda de conhecidos no interior do Paraguai, preso como escravo.
Apertam a campainha e ali está Felipe. Estava magro, muito magro, cabelo raspado, olhos fundos, pele escura queimada do sol. 10 meses de trabalhos forçados deixaram-no pele e osso. Palavras ficaram desnecessárias. O amor só existe e persiste. Luta contra a adversidade e sobrevive ao preconceito quando é verdadeiro.
Os dois entram e ela diz que tem dois presentes para ele. A avó em prantos o recebe. Ele diz que a avó ali, era o presente mais bonito que ela poderia lhe dar.
- Oh! Felipe meu neto, tem um presente que Deus deu para vocês dois, com muito amor e muito melhor.
Neste momento o bebê começa a chorar no quarto...
Neyd Montingelli
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