Entrevista com a poeta Marta Cortezão

 

 

   Marta Cortezão

 

 Nossa entrevistada é Marta Cortezão. Nasceu em Tefé/AM, mas mora em Segóvia/ES desde 2012. É escritora, poeta, tradutora, trovadora, ativista cultural, idealizadora dos projetos Enluaradas e Tertúlias Virtuais, do blog Feminário Conexões e do Mulherio das Letras Espanha. Tem obras publicadas em antologias (poesia e conto), tanto nacionais como internacionais. Livros “Banzeiro Manso” (poesia) e “Amazonidades Poéticas – Cultura e Identidade” (de trovas, no prelo). No Instagram @mcortezao.




Fale um pouco de seu início como poeta. Quando começou a escrever poemas.

A poesia sempre fez parte de minha vida desde tenra idade, especialmente nas oralituras, onde minha imaginação se lançava ao mundo feito pássaro de grandes asas. Quando viajava regateando rios na companhia de meus pais e irmãos, íamos inventando ingênuas trovinhas com o que a paisagem nos ofertava aos olhos, enquanto o barco Monte Sinai cortava águas pelos Rios Negro e Solimões. Já na cidade, na adolescência, chegaram as ridículas cartas de amor, guardadas até hoje nos papéis de cartas de minha coleção que perdeu o perfume, mas não o arroubo juvenil registrado em colorida época; também a velha agenda de capa dura, que sempre a revisito, escrita, muitas vezes às lágrimas, com os versos copiados das revistas que traziam fragmentos poéticos de vários autores e de algumas poucas autoras do cânone da Literatura Brasileira, como Vinicius de Moraes, Olavo Bilac, Manoel Bandeira, Oswald e Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Gregório de Matos, Fernando Pessoa, Clarice Lispector, Thiago de Melo e tantos outros. Logo depois veio a faculdade, tinha 17 anos e foi quando escrevi o primeiro poema, cujo título era “Sinto tua falta”, escrito para o crush da época (rsrs) e outro punhado de textos poéticos solicitado nas aulas de Literatura Brasileira. Com esse primeiro poema, comecei a me dar conta da importância de usar uma linguagem “universal”, como diriam as teorias literárias, porque a cada nova paixão, tinha que modificar o mesmo poema e dava trabalho (rsrs). Depois vieram os textos poéticos que criava para as aulas ministradas nas escolas por onde trabalhei. Todo um processo que foi acontecendo naturalmente até que, em 2013, tomei coragem e comecei a escrever, com mais frequência, e a publicar os poemas nas redes sociais; a partir daí, em 2014, as publicações na revista eletrônica Subversa e, em seguida, as antologias realizadas pela Porto de Lenha Editora (Gramado/RS). Tudo é processo, com a escrita não é diferente, diariamente procuro por esta escritora que vive dentro de mim. Em alguns dias, ela me permite o acesso, e a encontro com mais facilidade; em outros, quase maioria, ela sempre me dá trabalho.



Vamos falar sobre livros. Lamentavelmente, tem poetas que não gostam de ler os trabalhos de outros poetas. Você é leitora de livros de poesias?

Apesar de ter paixão pela poesia, sou bem eclética quanto às minhas leituras, leio um pouco de tudo, contos, crônicas, romances, ensaios, entrevistas, teoria literária, etc. Adoro ler artigos acadêmicos que tratam da produção literária contemporânea, até porque é impossível ler tantas obras tendo apenas uma vida, e, nesse ponto, os artigos me ajudam a conhecer autores e autoras, ainda que de forma parcial, e quando me conecto com a obra de algum/a escritor/a vou em busca de comprá-la. É preciso estar a par do que é produzido, pois estar de mãos dadas com meu tempo presente é fundamental para meu fazer literário. Para mim, ler é alimentar minha escritora interior, ela me exige isso, sem leitura, ela definharia, estou certa disso.




Pode citar os nomes de cinco poetas que despertem sua admiração.

Senti vontade de saltar esta pergunta, porque é difícil citar somente cinco poetas, devido ao meu crônico olhar plurissignificativo e camaleônico de leitora. Mas farei uma homenagem a todos/as autores/as que venho lendo e acompanhando a produção literária, especialmente nestes dois últimos anos, citando cinco poetas da contemporaneidade: a poesia underground e visceral de Jalna Gordiano, no livro “Asma, dentre outros prazeres, a dor” – poemas e crônicas (2021, Alexa, Embu das Artes); o também amazonense Paulo Monteiro com seus versos delirantes e deveras realistas de seu “Jazz Para Rinocerontes” (Moinhos, 2017); a paranaense de coração cuiabano, Janete Manacá com sua poética que abraça a alma, tão necessária nestes tempos sombrios, cito aqui o livro “Gaia, a Poética Silenciosa do Amor” (Edição do Autor, 2020); Patricia Cacau que traz em seus versos um romantismo avassalador, um amor que pulsa latente entre corpo e alma e que beira o sagrado, em seu livro “Quintais” (In-Finita, 2020) e, por fim, a autora baiana Rita Queiroz que põe em evidência a força das águas e o azul de céu e sal do mar de poesia, em seu livro “Velas ao Vento” (Penalux, 2020).




Sente na sua obra a influência de algum ou alguns poetas?

Sempre carregamos influências do que lemos, umas se deixam perceber com mais clarezas, outras se confundem na colcha de retalhos daquilo que somos, do que sentimos, vivemos e desejamos, no momento da construção do texto. Mas tudo isso se dissipa a outros olhares e/ou ganham outro colorido, porque ser é viver a constante ação de ressignificar-se todos os dias, no momento em que se tem a graça de abrir os olhos e sentir-se vivo. Em meu livro “Banzeiro Manso” (Porto de Lenha Editora, 2017, à venda no site www.portodelenha.com.br ), no prefácio da primeira edição, Isaac Ramos, Doutor em Literatura Comparada, vê em meus versos, vários diálogos com outros autores, por exemplo, com a poética de Castro Alves, com os versos do trovador João Garcia de Guilhade, com Gonçalves Dias, com Almeida Garrett, no poema “À Barca Bela”, cujo fragmento aqui transcrevo: “Por que o pranto/ No rio meu, Barca Bela?/ Por que tão triste canto?/ Só caio em esparrela!/ Tu sim és feliz,/ Bela barca!/ Eu, de amor infeliz/ E tu, amores atracas:/ Tens o rio e a ela!/ Ela é piracema/ De prazeres/ Ele, rio de dilema/ De mil quereres!/ Eu, Barca Bela,/ Espuma de remanso,/ tenho as penas/ E a vil bagatela/ De amar-te manso,/ Barca Bela!”


Como é seu processo criativo? Para escrever um poema, por exemplo, você parte de uma palavra? De uma imagem? De uma vivência? De acontecimentos?

Meu processo tem que passar pela emoção. Venha a ideia de onde vier, ela tem que ser absorvida, sentida e digerida pelos sentidos, porque necessito também visualizar o que estou escrevendo. É um trabalho minucioso que me causa angústia e prazer ao mesmo tempo, pois as palavras precisam me satisfazer dentro do texto e dentro de mim, esse processo passa pela metáfora de “catar feijão”, como tão poeticamente escreveu João Cabral.




Você além de escrever organiza coletâneas. Como é o processo de seleção? Por que um poema é considerado bom e é escolhido para uma antologia, e outro poema é rejeitado?

O processo de seleção passa pelo diálogo do poema com o perfil do projeto e com a linguagem poética que o poema exige. No mais, o projeto Enluaradas é o braço que acolhe e que sonha junto com as autoras e que sabe da dificuldade de dar o primeiro passo. Há poetas com longo percurso literário e poetas que estão publicando pela primeira vez, mas todas chegaram para abrilhantar o projeto com particular e especial energia, esta que faz girar nossas cirandas, tecendo e reforçando a crença no poder de transformação que a Poesia é capaz de promover na vida de quem a vive.



Fale um pouco das antologias que organizou.


O projeto Enluaradas é um projeto muito recente, eu e Patricia Cacau o iniciamos em janeiro deste ano. Realizamos a “Coletânea Enluaradas I: Se Essa Lua Fosse Nossa” (Selo Editorial Ser MulherArte, 2021), em formato digital, que pode ser baixado no perfil do Instagram @coletaneaenluaradas2021 ou no blog Feminário Conexões. No momento, estamos trabalhando a “Coletânea Enluaradas II: uma Ciranda de Deusas”, que tem previsão de publicação para setembro. Continuamos conhecendo as autoras, promovendo a escritura de mulheres que circulam com suas obras pelas redes sociais e, com muita paixão, contribuindo para a História da Literatura Contemporânea de Autoria Feminina.




Nesta época muitas pessoas escrevem poemas. Você pensa que essa explosão poética elevará a poesia ou a banalizará?

Penso que quanto mais pessoas escrevam, mais pessoas leem. Não vejo a escrita apenas como um mercado; apesar de que o bicho-papão do capitalismo devore tudo, vejo como uma forma de realização pessoal. Todo/a autor/a, que investe financeiramente em uma publicação, está correndo atrás de seus sonhos, e terá seu nicho de leitores que serão suas amizades próximas e/ou distantes. E como nos é sabido, a felicidade nunca é banal, ela alimenta a alma e impulsiona o corpo a correr atrás de novos ideais, e a arte poética só agradece.



Como faz os títulos de seus poemas? Você escolhe alguma palavra do poema, procura inspiração em outros textos ou os títulos surgem na sua cabeça?


Volto a fazer alusão ao poema “Catar feijão”, do João Cabral, dizendo que, para mim, o título é aquele feijão preguiçoso, o danadinho fica lá no fundo do tacho e só boia no final. Ou seja, na maioria das vezes, o título surge do próprio corpo do poema, quando já finalizado.




Fale de seus projetos para o segundo semestre 2021.

Minha prioridade agora é lançar meu livro de trovas “Amazonidades Poéticas – Cultura e Identidade”, dedicado à minha gente: o povo das doces águas. É um livro que traz o universo ribeirinho para o palco da literatura contemporânea. É a poética que fala do meu lugar, minha casa-rio, meu lar, onde vivi minha infância e por onde viajei estradas líquidas; lugar que me abriu os olhos para enxergar o mundo com o olhar simples e doce de rio. O depois? Já veremos o que o universo me reserva, porque todos os dias um sol lindo desponta no horizonte. Portanto, não vou bater cabeça, é tolice tamanha, já que o mais é sempre menos.


Comentários

  1. Obrigada pelo espaço e parabéns trabalho que a Revista Carlos Zemek vem realizando.

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