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A MULHER E O TEATRO - “A vida é um sonho; é o despertar que nos mata.”
Virgínia observa atentamente o dramaturgo Novaes.
Ele abre o mapa, traçando ali, o voo sobre o oceano. Não havia outra maneira de iniciar o processo. Tudo se mostrava conforme o planejado. Um planejamento estruturado ao longo dos anos. Precisamente, desde os cinco anos de idade.
Percebi que nada seria fácil. No entanto, reconheci elementos básicos, com brechas à felicidade plena, naquela personalidade entusiasta.
Novaes trabalhava com histórias e a facilidade em narrar acontecimentos era seu maior talento. Sabia, em hipótese, que comunicação, saúde e planejamento eram essenciais à vida em sociedade.
Escrever, para mim, era como brincar com água deixando-a escorrer sobre o papel.
Por vezes, questionava se aquele pedaço de madeira, filtrado em tantas lavagens até atingir o vazio, branco imaculado, era mesmo uma simples folha de papel ou, a materialidade orgânica de um processo, que vagarosamente se revela.
Como grandes romances, que explicitam o consumo da adolescente virgem, em seu rito de passagem – cortar o cabelo, romper o hímen, sangrar abandonando a menina para dar passagem à mulher, confundia-se com a promessa dos arranjos familiares.
Neste, momento recordo Pessoa e seus heterônimos, alavancando a narrativa de vivências ou simples memórias dos complexos culturais que regem as percepções de gênero, qualificando as performances de um tipo feminino e de um tipo masculino, em ângulos da performance humana, ainda, subjugados.
Novaes acomoda a poltrona junto à janela. Sabe que o percurso será longo. Vai consumir algumas horas, longas horas, longas e terríveis horas. A curiosidade é grande, faz a cabeça girar. Há expectativa e o olhar vislumbra logo adiante.
Eu sentada, ao lado, mantendo-me acordada e peço um copo d’água. Tenho que traçar o perfil de outras personagens. Quem sabe madrinhas, amantes, dançarinas, musicistas, doutoras, dramaturgas, mães, engenheiras, veterinárias, cientistas, poetas, musas, executivas ou simplesmente, mulheres de carne e osso, que saibam cozer, coser, plantar, lavar, sorrir, acasalar, parir, narrar seus casos e ocasos do existir.
O som do piano ocupa o espaço. Os pensamentos acompanham o ritmo. O corpo imprime gestos num embalar de sonhos.
A figura feminina, sua prometida, chega num aroma floral.
Avistando-a, ora, em plena cerimônia com bela vestimenta, recoberta de jóias, flores e arabescos de henna. A noiva, conhecida apenas agora, suaviza a angústia das horas.
Sente-se feliz.
Aparente felicidade, dela, dele e minha.
A encenação não é um drama, mas uma utopia romântica, para um final feliz da escrita. Daquilo que se escreve ou já está escrito. Felicidade, afeto, amor temperam a existência.
Novais, apanha do chão o livro que lhe escapara das mãos. Olha com curiosidade a folha aberta, avista um caso de amor à grega, onde se lê – Orfeu e Eurídice.
Do outro lado do oceano, um ponto de chegada ou partida.
Deixe de sonhar. Apresse o passo Woolf, ou perdemos o voo.
Solange Rosenmann
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