1 INTRODUÇÃO
As dimensões do sofrimento humano e as pesquisas científicas têm sido foco de inúmeros questionamentos éticos, a exemplo do que ocorre na Moral, Teologia e Direito. No entanto, as biociências de longa data vêm procurando encontrar soluções para aliviar a dor, valendo-se dos mais diversos meios, como as práticas terapêuticas, cirúrgicas e farmacológicas; acrescidas dos novos conhecimentos sobre o funcionamento do cérebro, propiciados pelas neurociências.
Por outro lado, a vulnerabilidade individual à dor e a percepção social do sofrimento humano têm oferecido variações; refletindo o grau de materialismo e transcendência de cada época e cultura. Em tempos de apego aos bens materiais, exacerbado pelo desejo de obter sucesso, adquirir riquezas, fama e reconhecimento público, predominam o egoísmo e o descaso pela dor alheia. Quando se pratica, por exemplo, a corrupção, fraudando-se os cofres públicos em detrimento da saúde dos cidadãos, os que assim agem desprezam os mais elementares princípios éticos de moralidade administrativa (jurídicos) solidariedade (morais), além do dever de misericórdia (religiosos).
Na Idade Média (V-XIV), ao se espiritualizar o sofrimento, atribuindo-o ao pecado; a crença na origem das dores físicas ou morais fundamentava as aflições humanas no castigo divino, devendo, por tal motivo, serem aceitas com resignação.ii A percepção familiar e social da dor humana se tornaram, no período medieval, pela sua divinização, um instrumento pessoal de purificação dos erros e preparo para vida eterna, sendo naturais à condição humana, como no conhecido exemplo de Jó.iii
Também, entre os gregos, estoicos e epicureus deram diferentes respostas à dor e ao prazer, como paixões que a alma humana deveria enfrentar e suportar, pelos meios que apontavam os filósofos sofistas aos seus seguidores (III-IV a.C).iv
Com advento da racionalidade e a cientificidade das respostas à dor e ao sofrimento humano, aprofundaram-se as pesquisas no sentido de obter nas técnicas adotadas pelas biociências soluções diversas, ou quando inexistentes, nos cuidados paliativos, como ocorre em situações de terminalidade, nos Hospices ou Hospitais de Retaguarda (séc. XX).v
A solidariedade substitui o egoísmo e o descaso pela dor alheia, quando profissionais de várias áreas contribuem para aliviar o sofrimento humano diante da morte, por ser, apenas, a expectativa mais próxima:
Para acolher as pessoas fora de possibilidade terapêutica, investiu-se em humanização, que se reflete nas instalações e também em maior flexibilidade nas regras de uso dos espaços. Um exemplo dessa adaptação é a permissão que os usuários sejam acompanhados por pessoas de outro sexo – ao contrário do que acontece na maioria dos hospitais.vi
Vida e morte se tornam cada vez mais próximos, uma vez que o debate é travado na mídia, porém, ainda a fuga, o escamoteamento e o sigilo rodeiam o conflitante dilema. Informação, conscientização e educação são eficazes meios para o enfrentamento das variadas circunstâncias que envolvem a agonia, o sofrimento e a morte humanas, diante de opções como a eutanásia, ortotanásia, distanásia e kalotanásia (séc. XXI).vii
2 NEUROÉTICA: LIMITES ÉTICOS ÀS NEUROCIÊNCIAS
Na complexidade do cenário descrito, dentre as propostas das neurociências, o estudo do cérebro humano e a interpretação de suas desconhecidas estruturas pode desvendar e encontrar respostas à dor e ao sofrimento, empenhando-se, por exemplo, na compreensão das emoções no ser humano.
O poder analgésico da mente, produzindo pelo cérebro sugestionado, leva o organismo a não sentir dor, conforme pesquisa realizada em Turin, 1999.viii Assim, ouvir, controlar, canalizar e selecionar emoções, podem fazer diferença no bem-estar da pessoa, e o seu conhecimento elevar, também, o potencial de cura, como no caso da fé em alguma crença religiosa.
Conforme relata Suzana Houzel, na análise da relação dor e influência do cérebro:
A neurociência aceita que as emoções são a maneira rápida de o corpo, orientado pelo cérebro, expressar e salientar eventos que têm impacto, bom ou ruim, sobre nossa vida. [...] As emoções são um conjunto de alterações provocadas por esse órgão nele mesmo e também no corpo em resposta às mais variadas situações ou, às vezes, à simples visão ou lembrança de uma pessoa, de um animal ou de um objeto.ix
No entanto, os impactos das descobertas das neurociências precisam de controles não apenas técnicos, mas, sobretudo, éticos; despertando a atenção dos bioeticistas para a necessidade do estabelecimento de diretrizes éticas, como limites às investigações e práticas referentes ao cérebro humano.
O surgimento da Neuroética e sua importância decorrem dos avanços e novas perspectivas do crescente conhecimento da atividade cerebral humana. Assim, os conflitos éticos derivados da relação médico-paciente ou pesquisador-participante da pesquisa devem ser tomados como uma reflexão não apenas filosófica, mas, acima de tudo, exigência prática.
De pronto, fica claro que a Neuroética regula as relações do profissional médico ou pesquisador com o indivíduo, sua família e comunidade científica, no trato das questões relativas às intervenções terapêuticas, cirúrgicas ou experimentais.Considerando-se que deve a Neuroética adotar princípios bioéticos como diretrizes de comportamento, moralmente aceitáveis, baseadas no que é o ethos, o agir correto de acordo com a Ética, bem como na prática do neurocientista, podem ser apontados os seguintes princípios:
1º autonomia do paciente (ou participante da pesquisa-denominado sujeito da pesquisa, pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde):x significa que para ter sua vontade respeitada, ou seja, sua capacidade de decidir de acordo com os próprios valores, levada em consideração pelo profissional ou pesquisador (neurocientista), é fundamental que o paciente receba suficientes e acessíveis informações; possuindo compreensão e vontade próprias. No caso dos incapazes de discernir, temporária ou definitivamente, caberá ao seu representante legal fazê-lo;xi
2º beneficência: a prática a ser adotada corresponderá à que trouxer maiores benefícios ao indivíduo, consideradas as suas condições pessoais, os riscos envolvidos e as expectativas existentes em cada caso. Havendo dúvidas, caberá à equipe médica responsável ouvir o interessado e sua família e decidir, sempre, pelo que for melhor para a pessoa destinatária dos procedimentos;xii
3º isonomia de oportunidade (Justiça): compreende o acesso às conquistas das neurociências em igualdade de condições, independentemente de quais sejam as circunstâncias de ordem econômica, social, intelectual, sexual etc dos prováveis pacientes;
4º sigilo nos resultados e procedimentos adotados: a partir da confiança recíproca, lastreada na boa-fé e lealdade, que devem consolidar as relações paciente - neurocientista, caberá, apenas, ao envolvido nos procedimentos e resultados autorizar a sua divulgação, respeitado o anonimato, se assim o desejarem o participante e sua família;
5º especificidade: aspectos personalíssimos do destinatário do atendimento terapêutico, cirúrgico ou experimental, devem representar a pauta básica, o pano de fundo, para a escolha, interrupção ou finalização dos procedimentos adotados.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme destaca Vitor Geraldi Haase e outros neurocientistas, nem sempre os princípios adotados oferecem respostas, posto que “[...] a aplicação prática da Bioética requer deliberação casuística sobre o princípio que deve prevalecer em cada situação”.xiii
O fundamento primeiro e último dos princípios bioéticos, aplicáveis às neurociências, é a dignidade da pessoa humana.xiv Dignidade é respeito, honra e reconhecimento do outro como individualidade única, devendo alicerçar as decisões dos envolvidos, dotados do conhecimento compatível com o caso; refletindo as duas pulsões básicas do ser humano: eros e thanatos – vida (amor) e morte.xv
Destarte, as diretrizes bioéticas mais cogitadas e adotadas, foram propostas por Potter, em 1971, oncologista americano, que identificou princípios que deveriam nortear a preservação da vida ecológica, entendida como “ciência da sobrevivência”.xvi
Com os novos caminhos trilhados pelas neurociências e diante do inestimável diálogo que a percepção crítica interdisciplinar pode oferecer, a Bioética Principialista foi adquirindo outros contornos, posto que em suas raízes se constituía de quatro pilares: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça.xvii
Por fim, os princípios esquematizados neste texto são, apenas, proposições iniciais, que levam em conta a Constituição vigente (art. 1º, III); a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, disposições do Código Civil Brasileiro de 2002, dentre outras fontes normativas.xviii
As dimensões do sofrimento humano e as pesquisas científicas têm sido foco de inúmeros questionamentos éticos, a exemplo do que ocorre na Moral, Teologia e Direito. No entanto, as biociências de longa data vêm procurando encontrar soluções para aliviar a dor, valendo-se dos mais diversos meios, como as práticas terapêuticas, cirúrgicas e farmacológicas; acrescidas dos novos conhecimentos sobre o funcionamento do cérebro, propiciados pelas neurociências.
Por outro lado, a vulnerabilidade individual à dor e a percepção social do sofrimento humano têm oferecido variações; refletindo o grau de materialismo e transcendência de cada época e cultura. Em tempos de apego aos bens materiais, exacerbado pelo desejo de obter sucesso, adquirir riquezas, fama e reconhecimento público, predominam o egoísmo e o descaso pela dor alheia. Quando se pratica, por exemplo, a corrupção, fraudando-se os cofres públicos em detrimento da saúde dos cidadãos, os que assim agem desprezam os mais elementares princípios éticos de moralidade administrativa (jurídicos) solidariedade (morais), além do dever de misericórdia (religiosos).
Na Idade Média (V-XIV), ao se espiritualizar o sofrimento, atribuindo-o ao pecado; a crença na origem das dores físicas ou morais fundamentava as aflições humanas no castigo divino, devendo, por tal motivo, serem aceitas com resignação.ii A percepção familiar e social da dor humana se tornaram, no período medieval, pela sua divinização, um instrumento pessoal de purificação dos erros e preparo para vida eterna, sendo naturais à condição humana, como no conhecido exemplo de Jó.iii
Também, entre os gregos, estoicos e epicureus deram diferentes respostas à dor e ao prazer, como paixões que a alma humana deveria enfrentar e suportar, pelos meios que apontavam os filósofos sofistas aos seus seguidores (III-IV a.C).iv
Com advento da racionalidade e a cientificidade das respostas à dor e ao sofrimento humano, aprofundaram-se as pesquisas no sentido de obter nas técnicas adotadas pelas biociências soluções diversas, ou quando inexistentes, nos cuidados paliativos, como ocorre em situações de terminalidade, nos Hospices ou Hospitais de Retaguarda (séc. XX).v
A solidariedade substitui o egoísmo e o descaso pela dor alheia, quando profissionais de várias áreas contribuem para aliviar o sofrimento humano diante da morte, por ser, apenas, a expectativa mais próxima:
Para acolher as pessoas fora de possibilidade terapêutica, investiu-se em humanização, que se reflete nas instalações e também em maior flexibilidade nas regras de uso dos espaços. Um exemplo dessa adaptação é a permissão que os usuários sejam acompanhados por pessoas de outro sexo – ao contrário do que acontece na maioria dos hospitais.vi
Vida e morte se tornam cada vez mais próximos, uma vez que o debate é travado na mídia, porém, ainda a fuga, o escamoteamento e o sigilo rodeiam o conflitante dilema. Informação, conscientização e educação são eficazes meios para o enfrentamento das variadas circunstâncias que envolvem a agonia, o sofrimento e a morte humanas, diante de opções como a eutanásia, ortotanásia, distanásia e kalotanásia (séc. XXI).vii
Fotografia de Isabel Furini |
2 NEUROÉTICA: LIMITES ÉTICOS ÀS NEUROCIÊNCIAS
Na complexidade do cenário descrito, dentre as propostas das neurociências, o estudo do cérebro humano e a interpretação de suas desconhecidas estruturas pode desvendar e encontrar respostas à dor e ao sofrimento, empenhando-se, por exemplo, na compreensão das emoções no ser humano.
O poder analgésico da mente, produzindo pelo cérebro sugestionado, leva o organismo a não sentir dor, conforme pesquisa realizada em Turin, 1999.viii Assim, ouvir, controlar, canalizar e selecionar emoções, podem fazer diferença no bem-estar da pessoa, e o seu conhecimento elevar, também, o potencial de cura, como no caso da fé em alguma crença religiosa.
Conforme relata Suzana Houzel, na análise da relação dor e influência do cérebro:
A neurociência aceita que as emoções são a maneira rápida de o corpo, orientado pelo cérebro, expressar e salientar eventos que têm impacto, bom ou ruim, sobre nossa vida. [...] As emoções são um conjunto de alterações provocadas por esse órgão nele mesmo e também no corpo em resposta às mais variadas situações ou, às vezes, à simples visão ou lembrança de uma pessoa, de um animal ou de um objeto.ix
No entanto, os impactos das descobertas das neurociências precisam de controles não apenas técnicos, mas, sobretudo, éticos; despertando a atenção dos bioeticistas para a necessidade do estabelecimento de diretrizes éticas, como limites às investigações e práticas referentes ao cérebro humano.
O surgimento da Neuroética e sua importância decorrem dos avanços e novas perspectivas do crescente conhecimento da atividade cerebral humana. Assim, os conflitos éticos derivados da relação médico-paciente ou pesquisador-participante da pesquisa devem ser tomados como uma reflexão não apenas filosófica, mas, acima de tudo, exigência prática.
De pronto, fica claro que a Neuroética regula as relações do profissional médico ou pesquisador com o indivíduo, sua família e comunidade científica, no trato das questões relativas às intervenções terapêuticas, cirúrgicas ou experimentais.Considerando-se que deve a Neuroética adotar princípios bioéticos como diretrizes de comportamento, moralmente aceitáveis, baseadas no que é o ethos, o agir correto de acordo com a Ética, bem como na prática do neurocientista, podem ser apontados os seguintes princípios:
1º autonomia do paciente (ou participante da pesquisa-denominado sujeito da pesquisa, pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde):x significa que para ter sua vontade respeitada, ou seja, sua capacidade de decidir de acordo com os próprios valores, levada em consideração pelo profissional ou pesquisador (neurocientista), é fundamental que o paciente receba suficientes e acessíveis informações; possuindo compreensão e vontade próprias. No caso dos incapazes de discernir, temporária ou definitivamente, caberá ao seu representante legal fazê-lo;xi
2º beneficência: a prática a ser adotada corresponderá à que trouxer maiores benefícios ao indivíduo, consideradas as suas condições pessoais, os riscos envolvidos e as expectativas existentes em cada caso. Havendo dúvidas, caberá à equipe médica responsável ouvir o interessado e sua família e decidir, sempre, pelo que for melhor para a pessoa destinatária dos procedimentos;xii
3º isonomia de oportunidade (Justiça): compreende o acesso às conquistas das neurociências em igualdade de condições, independentemente de quais sejam as circunstâncias de ordem econômica, social, intelectual, sexual etc dos prováveis pacientes;
4º sigilo nos resultados e procedimentos adotados: a partir da confiança recíproca, lastreada na boa-fé e lealdade, que devem consolidar as relações paciente - neurocientista, caberá, apenas, ao envolvido nos procedimentos e resultados autorizar a sua divulgação, respeitado o anonimato, se assim o desejarem o participante e sua família;
5º especificidade: aspectos personalíssimos do destinatário do atendimento terapêutico, cirúrgico ou experimental, devem representar a pauta básica, o pano de fundo, para a escolha, interrupção ou finalização dos procedimentos adotados.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme destaca Vitor Geraldi Haase e outros neurocientistas, nem sempre os princípios adotados oferecem respostas, posto que “[...] a aplicação prática da Bioética requer deliberação casuística sobre o princípio que deve prevalecer em cada situação”.xiii
O fundamento primeiro e último dos princípios bioéticos, aplicáveis às neurociências, é a dignidade da pessoa humana.xiv Dignidade é respeito, honra e reconhecimento do outro como individualidade única, devendo alicerçar as decisões dos envolvidos, dotados do conhecimento compatível com o caso; refletindo as duas pulsões básicas do ser humano: eros e thanatos – vida (amor) e morte.xv
Destarte, as diretrizes bioéticas mais cogitadas e adotadas, foram propostas por Potter, em 1971, oncologista americano, que identificou princípios que deveriam nortear a preservação da vida ecológica, entendida como “ciência da sobrevivência”.xvi
Com os novos caminhos trilhados pelas neurociências e diante do inestimável diálogo que a percepção crítica interdisciplinar pode oferecer, a Bioética Principialista foi adquirindo outros contornos, posto que em suas raízes se constituía de quatro pilares: autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça.xvii
Por fim, os princípios esquematizados neste texto são, apenas, proposições iniciais, que levam em conta a Constituição vigente (art. 1º, III); a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, disposições do Código Civil Brasileiro de 2002, dentre outras fontes normativas.xviii
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